DENTRO DA PEDRA
Cedo ao rastro de restos que
me tenta até ti
(pernas de nylon vazias
sapatos
desafogados)
metades desirmanadas que
arrumo no poema. Posso
disturbar
o teu espaço? Entrar e ficar a ver?
Estás
sob a linha d'água
(gume
que fere o mamilo)
como um escultor pergunto
com a precisão de poros
pela
mulher dentro da pedra.
Desenrolas da torneira o
novelo que te veste
(o
corpo em repouso contem
a soma dos movimentos)
lavo-te
até ao teu cheiro até
respirar de ti
o
perfume verdadeiro.
In “Rés-do-Chão”
Editora Gótica
João Luís Barreto Guimarães
N. 1967
A JANGADA
Eis a minha Jangada em Mar-Eterno!
As ondas que se amansem pois vou só...
A minh’alma fechada como um nó
Renunciou ao mundo em desgoverno...
Eis-me Navegador ou Marinheiro
E Náufrago por pura vocação!
O mar nunca me nega o meu quinhão
Dos versos que lhe dou a tempo inteiro...
O meu destino é líquido, infinito,
(se não lhe encontro o fim, nunca o terá...)
Perpetuado em raios de luar...
Porque me beija a lua enquanto a fito,
Aquilo que escrevi não morrerá
Enquanto a Lua-Mãe assim me olhar!
In “Poeta Porque Deus Quer”
Autores Editora
Maria João Brito de Sousa
N. 1952
ASSIM
Assim por muito mais e muito menos
Assim por heroísmo e cobardia.
Assim a tarde a noite no momento,
Assim pensar em mim quando vivias.
Assim os dedos longos nos cabelos
Dos mortos abraçados e cativos.
Assim esta miséria de estar viva
E não saber estar viva quando vivo.
Assim nas brancas árvores o tempo
Assim ter acabado o meu destino
E ler-me noutros versos, noutros nomes,
Assim desconhecer aonde habito.
Assim por muito mais e muito menos
Se acaba, em vida, a vida ao suicida.
Assim por ser a hora mais cinzenta,
O desamparo assim da minha vida.
(Os Intrusos – 1971)
In "Antologia Poética"
Assírio & Alvim
Natércia Freire
1919 – 2004
DE BRUÇOS ME DEBRUÇO MAIS AINDA
De bruços me debruço mais ainda
até sentir os olhos tumefactos
para saber até que ponto é linda
a intrigante cor desses sapatos
que às tuas pernas dão um brilho tal
e uma leveza tal ao teu andar,
que eu penso (embora aches anormal)
que nunca te devias descalçar.
Também porquê, se já não há verdura
nem tu és Leonor para correr
descalça, no poema, à aventura?
O mais difícil, hoje, é antever
quem é que vai à fonte em literatura
e que água dá aos versos a beber.
In “Cem Sonetos Portugueses”
(Selecção, organização e introdução de
José Fanha e José Jorge Letria)
Terramar Editores
Joaquim Pessoa
N. 1948
TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COISA AMADA
Transforma-se o amador na coisa amada, com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.
Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se na noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.
Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.
E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo e do amor.
(Poesia Toda – Assírio & Alvim – Lisboa)
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Herberto Hélder
N. 1930
A BAILADEIRA
I.
Olhou-se nos espelhos. Uma arcada…
Julgou-se Salomé. E em oração,
De João a cabeça ensanguentada
Supôs que era o seu próprio coração.
Meu olhar, de tapete lhe serviu.
No meu imaginá-la ajoelhou.
E nos seus olhos gastos refloriu
O pranto antigo que Jesus chorou.
Enamorou-se um dia de seus dedos
Tristes, esguios, mortos de segredos,
Que na cor dessas mãos inda sorriam.
E pediram-lhe o mar. E ela desceu
Entre o Sonho e o Longe e endoideceu
Por não lhes poder dar o que pediam.
In “Cem Sonetos Portugueses”
(Selecção, organização e introdução de
José Fanha e José Jorge Letria)
Terramar Editores
Alfredo Guisado
1891 – 1975
OFÍCIO DE AMAR
Já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras
galáxias, e o remorso
um dia pressenti a música estelar das pedras abandonei-me ao silencio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.
(O Medo – Contexto – Lisboa)
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Al Berto
1948 – 1997
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