APENAS DO AMOR QUERO TÃO ALTO PREÇO
Apenas do amor quero tão alto preço
do mais pouco ou quase nada peço
dias há em que o verso pede rima
como este a querer o que estima
e que não direi; pois que a vida
se se sente desordenada
ou em ardor que começa e finda
imprevisível em cada coisa e nada
ninguém assim o determina.
Apenas de quando em quando vestígios
por entre duas cidades, dois rios
um a norte, outro a sul que te imagina
ou balouça ou adormenta se o penso
querer dizer aqui o que não posso
In “Tumulto”
& ETC. – Edições
Helga Moreira
N. 1950
POUCO DEPRESSA
falo-te de chuva
como quem diz que as minhas mãos
não se exaltam em revisitar-te o peito
falo-te de sol
como excesso de brilho entre nós.
revejo todos os verdes
no peppermint do meu cálice
enquanto a janela abro
pouco depressa
sobre a tarde
falo-te de cansaço
como quem se sentasse
numa poltrona de lã
In “O Afastamento Está Ali Sentado”
Quasi Edições
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
N. 1960
MULHER NA NOITE
Ei-la que passa
Com sua magia,
Quebrando na noite,
A monotonia.
Bamboleando atravessa a rua,
Como uma estrela ou como a lua.
Deixa no ar um vago perfume,
Que tudo incendeia
Como se fora lume.
A rua pára ao vê-la passar,
O tempo suspenso
Com o seu andar.
Um carro que freia,
Uma pomba assustou,
Presa pela asa,
Ao beiral que a criou.
Na noite magoada,
Ilusão afastada,
A magia findou…
In “O Livro da Nena” – Fevereiro de 2008
Papiro Editora
Maria Irene Costa
N. 1951
INSÓNIA
Um dois e três carneiros
saltitam espertos
Mais três como os primeiros
– e eu de olhos abertos…
Sete oito nove dez
fugidos ao seu dono
Já são quarenta pés
– e eu à espera do sono…
Onze bolas de lã
tropeçando à marrada.
Já é quase manhã
– e quanto a dormir nada…
Uma dúzia balindo
(e só sabem balir)
Que rebanho tão lindo
de horas sem dormir!…
Mais cinco dezassete,
mais quatro vinte e um
Esta noite promete
– e eu sem sono nenhum…
Vinte e dois vinte e três…
E mais um par recolho
Já passaram mais dez
– e eu sem pregar olho…
Já lá vão trinta e quatro
se não erro ou não esqueço
Lá vem mais um pacato
– e eu cá não adormeço…
Chega meia centena
a tropeçar na lama
Quem de mim terá pena
sempre às voltas na cama?
Já são oitenta e cinco
mais quinze faz os cem
Eles brincam e eu brinco
sem ter sono também…
Ai se o lobo nocturno
atacasse… – que horror!
Por isso é que não durmo
É que eu sou o pastor…
In “A Lia Que Lia Lia”
Elefante Editores
Antero Monteiro
N. 1946
MANUAL DE JARDINAGEM
É preciso mudar a terra do poema,
talvez arranjar um vaso maior
e deitar estrume em cada vaso.
Ainda ontem removi a terra
e vi no peso das palavras como escondem
o segredo da leveza.
É melhor esperarmos pela primavera/
por todos os meses que faltam
para hoje. Até lá
regarei o vaso como de costume.
Tenho exactamente o tempo de uma pausa/
atravessa o poema com o teu passo ágil
e senta-te comigo.
Que palavras nos fizeram falar? O que buscamos
no silêncio? Qual a melhor hora
para regar a água?
Caminhemos um pouco. No fundo do vaso
a razão declina no corpo do poema.
Havemos de a retirar com a pá que floresce na primavera/
depois atravessamos verso a verso
à superfície
sem vaso que contenha a humildade da terra.
In “Soletrar o Dia” – Obra Poética
Quasi Edições
Rosa Alice Branco
N. 1950
PARA UM VIL CRIMINOSO
Fizeste-me mil maldades
e uma maldade muito grande
que não se faz
acho que devo ter sido a pessoa
a quem fizeste mais maldades
nem deves ter feito a ninguém
uma maldade tão grande
como a que me fizeste a mim
não sei se tens remorsos
tu dizes que não tens remorsos nenhuns
porque dizes que és um vil criminoso
para mim
eu também sou uma vil criminosa
mas não para ti
desconfio que tens o remorso
de ter alguns remorsos
por teres feito mil maldades
e uma maldade muito grande
a maldade muito grande está feita
e não se faz
acho que essa maldade muito grande
nos aproximou um do outro
em vez de nos afastar
mas para mim é um drôle de chemin
e para ti também deve ser
mas com um vil criminoso nunca se sabe
In “Um Jogo Bastante Perigoso”
Edição da Autora
Adília Lopes
N. 1960
ALEGORIA FLORAL
Um dia em que a mulher nasça do caule da roseira
que cresce no quintal; ou um dia em que a nuvem
desça do céu para vestir de névoa os seus
seios de flor: seguirei o caminho da água nos
canteiros que me levam ao caule, e meter-me-ei
pela terra em busca da raiz.
Nesse dia em que os cabelos da mulher se
confundirem com os fios luminosos que o sol
faz passar pela folhagem; e em que um perfume
de pólen se derramar no ar liberto da névoa:
procurarei o fundo dos seus olhos, onde corre
uma transparência de ribeiro.
Um dia irei tirar essa mulher de dentro da flor,
despi-la das suas pétalas, e emprestar-lhe o véu
da madrugada. Então, vendo-a nascer com o dia,
desenharei nuvens com a cor dos seus lábios, e
empurrá-las-ei para o mar com o vento brando
da sua respiração.
Depois, cobrirei essa mulher que nasceu da roseira
com o lençol celeste; e vê-la-ei adormecer, como
um botão de rosa, esperando que a nuvem desça
do céu para a roubar ao sonho da flor.
In "O Estado dos Campos"
Publicações Dom Quixote
Nuno Júdice
N. 1949
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