QUEM MUITO VIU
Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;
e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi –
não sabe nada, nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.
Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.
“Peregrinatio ad loca infecta”
Portugália – 1969
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Jorge de Sena
1919 – 1978
ESPERANÇA
Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade.
Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?
Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.
In “Obras Completas (IV – Poesia)”
Almada Negreiros
1893 – 1970
ROSAS E CANTIGAS
Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!
A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.
E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!
Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Afonso Duarte
1884 – 1958
O POSSÍVEL DE DEUS
Pudesse Deus dizer!
Mas só pode
O possível de Deus, amor
Dito jamais senão amado.
Nem fazer pode
Deus amado, que tudo
É, nem feito nem dito:
Ser Amor
Ama sendo infinito.
Não posso Deus
Mas abro-me ao seu… quê?
Que relação de posse a Deus daria?
Ele nada tem nem é
Senão o amor que me dá:
Aberto é ele, e eu entraria.
Amar para caber?
Mas qualquer condição me perderia!
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
IGNOTO DEO
Desisti de saber qual é o Teu nome,
Se tens ou não tens nome que Te demos,
Ou que rosto é que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.
Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os não dome,
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.
Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,
Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja...
– Tu é que não desistirás de mim!
Biografia – 1929
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
José Régio
1901 – 1969
TRISTEZA
Mas quem sou eu? Um vulto que a tristeza
Modelou numa nuvem do poente…
Sou irmão da tristeza, irmão das sombras
Das árvores que os ventos enlouquecem
E dançam, de mãos dadas, ao luar.
Sou irmão da tristeza; e em nome dela
Ando por estes montes solitários,
Quando as ermas trindades da noitinha,
Em percutidas badaladas de oiro,
Parecem despertar na escuridade
Medos, aparições, visões de outrora…
Divago nos pinhais, à luz da lua,
Sozinho, quando o zéfiro acordado
Aligeira, nervoso, as frias asas,
E ouço através da rama verde-negra
Murmúrios, vozes tristes,
Versos de dor em ritmos de penumbra,
Irmãos daqueles que eu compus
Nesse divino instante em que senti
Encher-me, para sempre, o coração
Desconhecida mágoa descendida
Das alturas fantásticas da noite.
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Teixeira de Pascoaes
1877 – 1952
ORGULHO
És orgulhoso altivo. Também eu.
Nem sei bem qual de nós o será mais,
as nossas forças são rivais:
se é grande o teu poder, maior é o meu.
Tão alto anda este orgulho! Toca o céu.
Nem eu quebro nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos. Como tais
nenhum de nós ainda se rendeu.
Ontem, quando nos vimos frente a frente,
fingiste bem esse ar indiferente...
e eu, desdenhosa, ri, sem descorar...
Mas que lágrimas devo aquele riso!
E quanto, quanto esforço foi preciso
para, na tua frente, não chorar!
In “Namorados”
Portugália Editora – 1924
Virgínia Victorino
1895 – 1967
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