DOMINGO
Hoje é o dia dos senhores
e dos sóis em algumas línguas. Noutras
já foi ontem ou será depois, conforme
o cansaço divino sucedeu ou
não ao sétimo dia. Vária
gente irá aos templos ou ao parque
passear o cão. É dia de
visitar o lar de idosos ou de
abastecer a nossa arca
congeladora. Os pais solteiros levam
os filhos a comer pizza e outros
putativos progenitores recuperam
as horas de sono convivialmente
líquidas. O ar das ruas
é mais leve devida à pausa de
domingo. Ao menos hoje acontece
algo de bom em nome de Deus.
In “Logros Consentidos”
&etc – 2005
Inês Lourenço
N. 1942
FOTOGRAFIA DOS MEUS AVÓS
Ela tem o corpo levemente inclinado
acompanhando, também com a cabeça,
a bela doçura do olhar que a tarde continua
e que mistura, ao rumor da alegria,
para cujo lado o rosto se inclina,
a sombra já, como conjura, de uma
quase visível nostalgia;
nele há um pouco mais de desajuste,
de susto, corpo grande e no entanto pueril,
no fruste meneio das mãos atrapalhadas,
aos atoleiros da vida desatreito, cerrado,
viverá entre caçadas e cães
e morrerá na Ria
In “Lugares”
Relógio d'Água Editores
Maria Andresen de Sousa
N. 1951
OLHO À VOLTA
Olho à volta
em flecha sobre as coisas
à procura desse ladrão excepcional
que me roubou o livro inventado
pra me poupares o coração
à mágoa dos vivos
mas sei que é inútil
trago em alvo
apenas alfaias dométicas
com que trabalho a terra
aquela que escolhi
e sei que é inútil porque o mal tem asas
e só o vento nos salva
e nos transporta
ao lugar da árvore
junto ao rio onde me banharei três vezes
até que o galo cante
e me lembre do meu pai
a quem devo ceia e roupa branca
Quasi Edições
Ana Paula Inácio
1966
AMNÉSIA
Posso pedir, em vão, a luz de mil estrelas,
apenas obtenho este desenho pardo
que a lâmpada de vinte e cinco velas
estende no meu quarto.
Posso pedir, em vão, a melodia, a cor,
e uma satisfação imediata e firme:
(a lúbrica face do despertador
é quem me pesa e oprime).
E peço, em vão, uma palavra exacta,
uma fórmula sonora, que resuma
este desespero de não esperar nada,
esta esperança real em coisa nenhuma.
E nada consigo, por muito que peça!
E tamanha ambição de nada vale!
Que eu fui deusa e tive uma amnésia,
esqueci quem era e acordei mortal.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Fernanda Botelho
1926 – 2007
OS SUMÁRIOS ERAM ASSIM
Os sumérios eram sumários
e por isso foram sumírios
daí vem que foram semírios
mírios de se ou de si
os sumírios eram sumários sendo sumério
e daí vem que foram sumiros
sumaros e sumêros
os sumários eram suma dos
é daí que vem o sumo
a soma e a suma-a-uma
os sumórios eram sumêdos
porque eram semudos
e mudos de se ou de si
eram sumúrios
os sumúrios eram semílicos
simólicos e simulados
daí vem que amaram a sêmula
a súmula
e o tacão alto
In “Um Calculador de Improbabilidades”
Quimera Editores
Ana Hatherly
N. 1929
QUANDO
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
In “Dia do Mar” – 5ª edição revista
Editorial Caminho – 2005
Sophia de Mello Breyner Andresen
1919 – 2004
RESUMA DA AULA OU FOLK DOURO
Tenho que fugir rumo ao azul
Tenho que fugir, fugir e ser duende dentro de mim
Corpos enlaçados?
Ternuras, mágoas?
Tenho que fugir, rumo ao rio sinuoso que curva e
[descurva em mim.
Em vales, ora apertados, ora mais largos
Tenho que fugir rumo às partes verdes que des-
[cem das colinas
E abraçar a água densa e tensa.
Tenho que fugir, fugir e ser sol que caminha nas
[nas nuvens que cobrem de manto branco
A fonte da alma da minha alma
Que jorra sangue da boa terra
De olhos leais
À noite cheios de luar…
Mãos finas? Delgadas? Sedosas?
Tenho que fugir aos foguetes e morteiros
Onde o sol de olhos pintados
Onde as esponjas deitam mel
Onde a procissão passa
E cura o pus dos pinheiros
Templos de líquenes
De fontes gorgolejantes
E ser mais um tísico que reza as «ave-marias»
Enquanto na igreja as ladainhas ecoam
Nas vertentes rochosas e abruptas
Onde milhafres rasam
E, tenho que fugir, fugir e ser ferida dentro de mim.
In “Cem Poetas Portugueses no Feminino”
Editora Terramar
Maria José Queiroz Viana
N. 1952
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