NO CONJUGAR AMOR
Descobrimos coisas
que ninguém mais sabe
Coisas diversas do saber comum.
A transfusão que existe no beijar
quando a ternura é líquida
E a transparência
opaca
do suor
quando o amor é feito
E o jeito nos fica
de namorar o corpo
E o exagero em tudo que se diz
nas juras repetidas.
Descobrimos coisas
que ninguém mais sabe
e que aprendemos juntas.
In “Amor no Feminino”
Editora Fora do Texto – 1997
Coimbra – Portugal
Manuela Amaral
1934 – 1995
MUTILAÇÕES
Escreve agora a música
que os muros trauteiam
como eu dilapidei o meu tesouro.
Desenha agora a árvore
que rebentou por dentro.
Mostra agora o coração
com uma flecha no centro.
Vivi de brilho
e cuspi ouro pela boca.
Se ninguém me quis prender
foi porque não dei caça
não dei luta
nem falei em razão de força maior
nem sequer do futuro que me escuta.
Este livro custa a abrir
e aquela porta a fechar.
Desata agora a chorar
mesmo sem querer
mesmo sem sentir.
Chora por tudo
o que não está para vir.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Regina Guimarães
N. 1957
DÁ O TEU PÃO
Sê tu o pão
Daqueles que o não têm.
Abre o teu coração
Como um celeiro
De grãos de trigo
A doirar,
Para matar a fome
De amor e de ternura
De quem se aproxima de ti.
Depois,
Não feches nunca mais
O teu celeiro
E dá-o todo inteiro
A quem precisar de ti.
Matarás, assim,
A fome mais pungente,
A mais dolorosa
E exigente
Que no mundo existe.
In “Poemas de uma Vida”
Irmã Maria Rita Valente-Perfeito
N. 1920
AGORA QUE MORRESTE MÃE
Agora que morreste Mãe
E só em mim te tenho
Sou mais que o meu tamanho
Porque sou tu também
Tuas mãos afagam as minhas mãos
De quem são estes gestos esta pele?
Nunca me deste irmãos
Só contigo reparto o meu farnel
De quotidianos fardos e alegrias
Breves e desta brasa em chaga
Que é a tua ausência nos meus dias
Órfãos mas sempre ao colo desta mágoa
De não te ter de te ter sido esquiva
De não te ter nunca aberto as portas
Do meu ser de nunca te ter dado vivas
O que hoje já só são carícias mortas
In “Cicatriz” – 1996
Editorial Presença
Teresa Rita Lopes,
N. 1937
ALMA
Vive cada instante com intensidade.
Absorve cada sopro, cada aragem.
Alegre saboreia a mocidade,
Que a vida é quase uma miragem!
Abre as asas e livre voa,
Mesmo que seja um breve planar.
Procura a Estrela-guia e o luar
Que retirem do teu caminho o que magoa!
Sê tu, sempre tu, autêntica e pura.
Afasta os espinhos, a terra dura.
Amanheça de alegria o teu sorriso!
Possas ser, dos tristes, arrimo e encanto.
Esconde rosas vermelhas no teu manto
E faz do solo que pisas um Paraíso!...
In “O Livro da Nena” – Fevereiro de 2008
Papiro Editora
Maria Irene Costa
N. 1951
ASA NO ESPAÇO
Asa no espaço, vai pensamento!
Na noite azul, minha alma, flutua!
Quero voar nos braços do vento,
quero vogar nos braços da Lua!
Vai, minha alma, branco veleiro,
vai sem destino, a bússola tonta...
Por oceanos de nevoeiro
corre o impossível, de ponta a ponta.
Quebra a gaiola, pássaro louco!
Não mais fronteiras, foge de mim,
que a terra é curta, que o mar é pouco,
que tudo é perto, princípio e fim.
Castelos fluidos, jardins de espuma,
ilhas de gelo, névoas, cristais,
palácios de ondas, terras de bruma,
...Asa, mais alto, mais alto, mais!
In “Poesia II” – 1969
Fernanda de Castro
1900 – 1994
A CASA DO MUNDO
Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.
Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.
Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.
Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objectos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.
Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sanguíneos.
É a casa do mundo:
desaparece em seguida.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Luiza Neto Jorge
1939 – 1989
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