DIFERENTE NATAL
Dois miúdos tristonhos conversavam
sentados na soleira de um portal;
olhos postos nas montras que brilhavam,
ostentando os brinquedos de Natal.
Outros natais passados recordavam
como se fossem imagens de postal.
Os pais, que eram ditosos, se beijavam
e tudo lhes parecia imortal!
Mas, de repente, o mundo soçobrou
e sobre a farta mesa o pão faltou,
trazendo para os pais desassossego!
E os dois meninos diziam tristemente.
- Eu peço ao Pai Natal que dê somente
para meu pai, de novo, o seu emprego!
In “Castelo de Legos” – Papiro Editora
Maria de Lourdes Moreira Martins
N.1934
NATAL URGENTE
São tantos os Natais que tenho escrito,
Mensagem de Natal p'ra toda a gente!
Que não posso conter este meu grito
De escrever mais este Natal Urgente!...
Sinto estalar-me o peito de amargura,
De tanta imagem triste de Natal!
Domina a violência e a loucura
Neste mundo terrível e brutal!...
Não há paz, só há guerra, fome e dor,
E os homens não se entendem afinal!
Campeia a morte, o medo e o terror,
Num cortejo de sangue crucial!...
O mundo não entende, por maldade,
Que o Natal é – Amor, Fraternidade,
Sempre e em todo o tempo, por igual!...
Que este Natal desperte bem profundo,
E deixem de existir por todo o mundo,
- Assassinos da Paz e do Natal!
Natal de 1992
In “Etéreas Sinfonias de Natal”
Edição do Autor
Castro Reis
1918 – 2007
NATAL
Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada
Fria,
Vazia,
Bonita só de ser imaginada.
Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve
Recitado
Pela neve
A cair, ao de leve,
No telhado.
In “Antologia Poética”
Miguel Torga
1907 – 1995
NATAL
Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.
Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.
In "Livro III" – Poemas de Natal e da Paixão de Cristo
Reinaldo Ferreira
1922 – 1959
LITANIA PARA ESTE NATAL (1967)
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
E anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para nos vir pedir contas do nosso tempo
In “Lira de Bolso”
David Mourão-Ferreira
1927 – 1996
CHOVE. É DIA DE NATAL
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
In “Obra Poética”
Fernando Pessoa
1888 – 1935
NATAL
Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
Em letras grandes e pretas,
Traz versos e historietas
E desenhos bonitinhos,
E traz retratos também
Dois bodos, bodos e bodos,
Em casa de gente bem.
Hoje é dia de Natal.
Mas quando será de todos?
In “Obras Completas do Poeta”
Universitária Editora
Sidónio Muralha
1920 – 1982
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