TÉDIO
Ando às vezes boçal e sinto-me incapaz
De encontrar uma rima ou produzir um verso;
Fazendo de mim mesmo a ideia de um perverso
Capaz de apunhalar à luz do gás.
Incomoda-me a Cor, o sangue do Poente
- Waterloo rubro de que o sol é Bonaparte -;
Não compreendo, Mulher, como inda posso amar-te
Se tenho raiva, muita raiva a toda a gente.
‘Té onde a vista alcança alargo o meu olhar,
E creio quanto existe uma nódoa escura
Que as lágrimas do Choro hão de jamais lavar...
Estranha concepção! Abranjo o mundo todo
E em cada estrela vejo a mesma lama impura,
E em cada boca rubra o mesmo impuro lodo!
José Duro
1873 – 1899
AROMA E AVE
Eu digo, quando assoma
O astro criador:
Deus me fizesse aroma
De alguma pobre flor!
E digo, quando passa
uma ave pelo ar:
Deus me fizesse a graça
De asas para voar!
Aroma, da janela
Me evaporava eu,
Me respirava ela
E me elevava ao céu!
E quem, se eu fosse uma ave,
Me havia de privar
A mim da luz suave
Daquele seu olhar?
In “Amor Idílico”
Estante Editora
João de Deus
1830 – 1896
O SEU NOME É GRACIOSO E MUITO PRÓPRIO DELA
O seu nome é gracioso e muito próprio dela:
Respira um vago tom de música inocente;
E lembra a placidez de um lago transparente;
Recorda a emanação tranquila duma estrela.
Lembra um título bom, que logo nos revela
A ideia do poema. E todo o mundo sente
Não sei que afinidade entre o seu ar dolente,
a sua morbideza, e o próprio nome dela.
E chego acreditar - ingenuamente o digo -
Que havia um nome em branco, e Deus pensa consigo
Em traduzi-lo enfim numa expressão qualquer:
De forma que a mulher suave e graciosa
Faz parte deste nome um tanto cor-de-rosa,
E este nome gentil faz parte da mulher.
In «366 Poemas Que Falam de Amor»
Guilherme Azevedo
1839 – 1882
AS FADAS
"As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar...
Algumas em fonte fria
Escondem-se enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder..."
In “As Fadas”
Antero de Quental,
1842 - 1891
FELICIDADE
Mas, enfim, eu te achei, meu consolo;
Eu te achei, oh milagre de amor!
Outra vez, vibrará um suspiro
No alaúde do pobre cantor.
Eras tu, eras tu que eu sonhava;
Eras tu quem eu já adorei,
Quando aos pés da mulher enganosa
Meu alento em canções derramei.
Se na terra este amor de poeta
Coração há que o possa pagar,
Serás tu, virgem pura dos campos,
Quem virá a minha harpa acordar?
In “A Geração de
Alexandre Herculano
1810 – 1877
OS TREZE ANOS
(Cantilena)
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.
Já sou mulherzinha;
já trago sombreiro,
já bailo ao Domingo
com as mais no terreiro.
Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.
Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.
Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.
E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.
Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.
Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.
Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.
O meu gibão largo
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,
dizendo-lhe: "Toma
gibão domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.
"A mim já me aperta,
e a ti te é laceiro;
tu brincas co’as outras
e eu danço em terreiro."
Já sou mulherzinha;
já trago sombreiro,
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.
Já não sou Anita,
sou a Ana do outeiro;
madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.
Não quero o sargento,
que é muito guerreiro,
de barbas mui feras
e olhar sobranceiro.
O mineiro é velho;
não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
que todo o dinheiro.
Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.
Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que viva por festas,
que brilhe em terreiro;
Que em ele assomando
co’o tamborileiro,
logo se alvorote
o lugar inteiro.
Que todos acorram
por vê-lo primeiro,
e todas perguntem
se ainda é solteiro.
E eu sempre com ele,
romeira e romeiro,
vivendo de bodas,
bailando ao pandeiro.
Ai, vida de gostos!
ai, céu verdadeiro!
ai, Páscoa florida,
que dura ano inteiro!
Da parte, madrinha,
de Deus vos requeiro:
Casai-me hoje mesmo
com Pedro Gaiteiro.
In "Líricas Portuguesas – Portugália Editora"
António Feliciano de Castilho
1800 – 1875
MEMÓRIA
Ora isto, Senhores, deu-se em Trás-os-Montes,
Em terras de Borba, com torres e pontes.
Português antigo, do tempo da guerra,
Levou-o o Destino pra longe da terra.
Passaram os anos, a Borba voltou,
Que linda menina que, um dia, encontrou!
Que lindas fidalgas e que olhos castanhos!
E, um dia, na Igreja correram os banhos.
Mais tarde, debaixo dum signo mofino,
Pela lua nova, nasceu um menino.
Ó mães dos poetas! sorrindo em seu quarto,
Que são virgens antes e depois do parto!
Num berço de prata, dormia deitado,
Três moiras vieram dizer-lhe o seu fado
(E abria o menino seus olhos tão doces):
«Serás um Príncipe! mas antes... não fosses.»
Sucede, no entanto, que o Outono veio
E, um dia, ela resolve ir dar um passeio.
Calçou as sandálias, toucou-se de flores,
Vestiu-se de Nossa Senhora das Dores:
«Vou ali adiante, à Cova, em berlinda,
António e já volto...» E não voltou ainda!
Vai o esposo, vendo que ela não voltava,
Vai lá ter com ela, por lá se quedava.
Ó homem egrégio! de estirpe divina,
De alma de bronze e coração de menina!
Em vão corri mundos, não vos encontrei
Por vales que fora, por eles voltei.
E assim se criou um anjo, o Diabo, a lua;
Ai corre o seu fado! a culpa não é tua!
Sempre é agradável ter um filho Virgílio,
Ouvi estes carmes que eu compus no exílio,
Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses!
Pelo cair das folhas, o melhor dos meses,
Mas, tende cautela, não vos faça mal...
Que é o livro mais triste que há em Portugal!
In “SÓ”
Estante Editora
António Nobre
1867 – 1900
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