Segunda-feira, 31 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Ana Luísa Amaral

AS DANÇAS NO TELHADO

 

Antigamente era fechar os olhos
e esperar,
ou olhar um olhar
e estremecer de sonho.

 

Bailarino invadindo:
o verso em pirueta
no telhado,
em palco rodeado por três lados
mas aberto imenso.

 

Ou era o arco tenso
ameaçando  
a flecha mais certeira.                               
Se eu fosse um dia agora                  

essa maneira                                     
de ao desviar ser centro—

                                                              

 

In "Às vezes o paraíso" – Quetzal Editores – 1998

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

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Sexta-feira, 28 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Albano Martins

PEQUENAS COISAS

 

Falar do trigo e não dizer

o joio. Percorrer

em voo raso os campos

sem pousar

os pés no chão. Abrir

um fruto e sentir

no ar o cheiro

a alfazema. Pequenas coisas,

dirás, que nada

significam perante

esta outra, maior: dizer

o indizível. Ou esta:

entrar sem bússola

na floresta e não perder

o rumo. Ou essa outra, maior

que todas e cujo

nome por precaução

omites. Que é preciso,

às vezes,

não acordar o silêncio.

 

 

In “Escrito a Vermelho” – Campo das Letras – 1999 –  1ª.  Edição

 

Albano Martins

1930

 

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Segunda-feira, 24 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Matilde Rosa Araújo

 

HISTÓRIA DO SR. MAR

 

Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...

 

E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...

Ondinha vem...
E depois...

 

A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...

 

 

In “O Livro da Tila”

 

Matilde Rosa Araújo

N. 1921

 

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Sexta-feira, 21 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... António Gedeão

 

PEDRA FILOSOFAL

 

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso,

como esta ribeira mansa

em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam

em bebedeiras de azul.

 

Elas não sabem que o sonho

é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho álacre e sedento,

de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo

num perpétuo movimento.

 

Eles não sabem que o sonho

é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel,

arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia,

que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante,

rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista,

que é Cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim,

florete de espadachim,

bastidor, passo de dança,

Colombina e Arlequim,

passarola voadora,

pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva,

alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar,

ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão

na superfície lunar.

 

Eles não sabe, nem sonham,

que o sonho comanda a vida.

Que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança.

 

In “Movimento Perpétuo” – 1956

 

António Gedeão

1906 – 1997

 

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Segunda-feira, 17 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Maria Tereza Horta

OS SILÊNCIOS

 

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo.

 

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo.

 

Se te calas
eu oiço e eu invento.
Se tu foges
eu sei não te persigo.

 

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.

 

 

In “Só de Amor” – Quetzal Editores – 1999  

 

Maria Tereza Horta

N. 1937

 

 

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Sexta-feira, 14 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Armindo Rodrigues

CAVALGADA

 

 

Já rebentei de correr

Sete cavalos a fio.

O primeiro era cinzento

Com sonhos de água sem fundo

E cor do norte o segundo

Com ferraduras de prata.

O terceiro era um mistério

E o quarto cor de agonia.

O quinto, de olhos em brasa,

Era só prata e espanto.

O sexto não se sabia

Se era cavalo, se vento.

Corria o sétimo tanto

Que nem a cor se lhe via.

Quanto mais ando mais meço

As distâncias que há em mim

Cada desejo é um fim

E cada fim um começo.

 

 

In “Antologia Poética para a Infância e a Juventude”

 

Armindo Rodrigues

N. 1904

 

 

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Segunda-feira, 10 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Maria Alberta Menéres

DÚVIDA

 

 

O carvão é preto.

Quando arde é vermelho.

 

Qual é afinal

A cor do carvão?

 

Minha mãe, de noite

Não entendo nada:

Será que as cores nascem

Só de madrugada?

 

Minha mãe, quem sabe

Se a voz do amarelo

Não é doce apenas

Na imaginação?

 

 

In “Conversa com Versos”

 

Maria Alberta Menéres

N. 1930

 

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Sexta-feira, 7 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... José Régio

CANTAR DE AMIGO

 

 

À beira do rio fui dançar... Dançando

Me estava entretendo,

Muito a sós comigo,

Quando na outra margem, como se escondendo

Para que eu não visse que me estava olhando,

Por entre os salgueiros vi o meu amigo.

 

Vi o meu amigo cujos olhos tristes

Certo se alegravam

De me ver dançar.

Fui largando as roupas que me embaraçavam,

Fui soltando as tranças... Olhos que me vistes,

Doces olhos tristes, não no ireis contar!

Que o amor é lume bem eu o sei... que logo

Que vi meu amigo

Por entre os salgueiros,

Melhor eu dançava, já não só comigo

Toda num quebranto, ao mesmo tempo em fogo,

Melhor eu movia mãos e pés ligeiros.

 

Que Deus me perdoe, que aos seus olhos tristes

Assim ofertava

Minha formosura!

Se não fora o rio que nos separava,

Cruel com nós ambos, olhos que me vistes,

Nem eu me amostrara tão de mim segura...

 

In “Música Ligeira”

 

José Régio,

1901 – 1969

 

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Segunda-feira, 3 de Março de 2008

Recordando... Poetas Séc. XX (3)... Manuela Amaral

FATALISMO

 

Amo o que em ti há de trágico. De mau.
De sublime. Amo o crime escondido no teu andar.
A tua forma de olhar. O teu riso fingido
e cristalino.

 

Amo o veneno dos teus beijos. O teu hálito pagão.
A tua mão insegura
na mentira dos teus gestos.
Amo o teu corpo de maçã madura.

 

Amo o silêncio perpendicular do teu contacto
A fúria incontrolável da maré
nas ondas vaginais do teu orgasmo.

 

E esta tua ausência
Este não-ser que é.

 

 

In “Amor no feminino” – Editora Fora do Texto, 1997

 

Manuela Amaral 

1934 – 1995

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