AS DANÇAS NO TELHADO
Antigamente era fechar os olhos
e esperar,
ou olhar um olhar
e estremecer de sonho.
Bailarino invadindo:
o verso em pirueta
no telhado,
em palco rodeado por três lados
mas aberto imenso.
Ou era o arco tenso
ameaçando
a flecha mais certeira.
Se eu fosse um dia agora
essa maneira
de ao desviar ser centro—
In "Às vezes o paraíso" – Quetzal Editores – 1998
Ana Luísa Amaral
N. 1956
PEQUENAS COISAS
Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.
In “Escrito a Vermelho” – Campo das Letras – 1999 – 1ª. Edição
Albano Martins
1930
HISTÓRIA DO SR. MAR
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
In “O Livro da Tila”
Matilde Rosa Araújo
N. 1921
PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como esta ribeira mansa
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Elas não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabe, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
In “Movimento Perpétuo” – 1956
António Gedeão
1906 – 1997
OS SILÊNCIOS
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo.
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo.
Se te calas
eu oiço e eu invento.
Se tu foges
eu sei não te persigo.
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.
In “Só de Amor” – Quetzal Editores – 1999
Maria Tereza Horta
N. 1937
CAVALGADA
Já rebentei de correr
Sete cavalos a fio.
O primeiro era cinzento
Com sonhos de água sem fundo
E cor do norte o segundo
Com ferraduras de prata.
O terceiro era um mistério
E o quarto cor de agonia.
O quinto, de olhos em brasa,
Era só prata e espanto.
O sexto não se sabia
Se era cavalo, se vento.
Corria o sétimo tanto
Que nem a cor se lhe via.
Quanto mais ando mais meço
As distâncias que há em mim
Cada desejo é um fim
E cada fim um começo.
In “Antologia Poética para a Infância e a Juventude”
Armindo Rodrigues
N. 1904
DÚVIDA
O carvão é preto.
Quando arde é vermelho.
Qual é afinal
A cor do carvão?
Minha mãe, de noite
Não entendo nada:
Será que as cores nascem
Só de madrugada?
Minha mãe, quem sabe
Se a voz do amarelo
Não é doce apenas
Na imaginação?
In “Conversa com Versos”
Maria Alberta Menéres
N. 1930
CANTAR DE AMIGO
À beira do rio fui dançar... Dançando
Me estava entretendo,
Muito a sós comigo,
Quando na outra margem, como se escondendo
Para que eu não visse que me estava olhando,
Por entre os salgueiros vi o meu amigo.
Vi o meu amigo cujos olhos tristes
Certo se alegravam
De me ver dançar.
Fui largando as roupas que me embaraçavam,
Fui soltando as tranças... Olhos que me vistes,
Doces olhos tristes, não no ireis contar!
Que o amor é lume bem eu o sei... que logo
Que vi meu amigo
Por entre os salgueiros,
Melhor eu dançava, já não só comigo
Toda num quebranto, ao mesmo tempo em fogo,
Melhor eu movia mãos e pés ligeiros.
Que Deus me perdoe, que aos seus olhos tristes
Assim ofertava
Minha formosura!
Se não fora o rio que nos separava,
Cruel com nós ambos, olhos que me vistes,
Nem eu me amostrara tão de mim segura...
In “Música Ligeira”
José Régio,
1901 – 1969
FATALISMO
Amo o que em ti há de trágico. De mau.
De sublime. Amo o crime escondido no teu andar.
A tua forma de olhar. O teu riso fingido
e cristalino.
Amo o veneno dos teus beijos. O teu hálito pagão.
A tua mão insegura
na mentira dos teus gestos.
Amo o teu corpo de maçã madura.
Amo o silêncio perpendicular do teu contacto
A fúria incontrolável da maré
nas ondas vaginais do teu orgasmo.
E esta tua ausência
Este não-ser que é.
In “Amor no feminino” – Editora Fora do Texto, 1997
Manuela Amaral
1934 – 1995
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