Sexta-feira, 29 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Pedro Homem de Mello

 

BALADA DO RIO DOIRO


Que diz além, além montanhas,
O Rio Doiro à tarde, quando passa?
Não há canções mais fundas, mais estranhas,
Que as desse rio estreito de água baça!...
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade?
Ó ruas torturadas e compridas,
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade,
Onde as veias são ruas com mil vidas?...
Em seus olhos de pedra tão escuros
Que diz ao vê-lo a Sé, quase sombria?
E a tão negra muralha à luz do dia?
E as ameias partidas sobre os muros?
Vergam-se os arcos gastos da Ribeira...
Que triste e rouca a voz dos mercadores!...
Chegam barcos exaustos da fronteira
De velas velhas, já multicolores...
Sinos, caixões, mendigos, regimentos,
Mancham de luto o vulto da cidade...
Que diz o rio além? Porque não há-de
Trazer ao burgo novos pensamentos?
Que diz o rio além? Ávido, um grito
Surge, por trás das aparências calmas...
E o rio passa torturado, aflito,
Sulcando sempre o seu perfil nas almas!...


In “Estrela Morta” – Poesias Escolhidas – INCM – Lisboa

 

Pedro Homem de Mello

1904 – 1984

 

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Segunda-feira, 25 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Maria de Lurdes Moreira Martins

 

 

PALMEIRAS DA VELHA FOZ

 

 

Palmeiras da velha Foz

eu entendo o vosso adeus…

já do mar me chega a voz

a anunciar ter chegado

ao resto dos dias meus…

 

Como vós, cabelo ao vento,

espero o corte da serra

e sinto, a cada momento,

minhas raízes entrando

nos veios fundos da terra!

 

Saís da terá em morrendo,

se eu morro, prà terra vou…

no chão que deixais, me estendo…

ele me consome a vida,

em vós a vida criou!

 

Minhas velhas feiticeiras

banhadas pelo luar,

dizendo adeus às traineiras

e fazendo as vossas magias,

pra que elas possam voltar!

 

Como vós, eu fico ouvindo

os gritos vindos da bruma

que socorro estão pedindo.

Como vós sou impotente

e não faço coisa nenhuma!

Se elas não voltam, que dores!...

Que penas sinto pairar…

Sois mulheres de pescadores,

braços abertos com ira

rogando pragas ao mar.

 

 

In “Castelo de Legos” – Papiro Editora

 

Maria de Lurdes Moreira Martins

N. 1934

 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Fernando Pessoa

 

 

INFANTE D. HENRIQUE

 

 

Em seu trono entre o brilho das esferas,

Com seu manto de noite e solidão,

Tem aos pés o mar novo e as mortas eras –

O único imperador que tem, deveras,

O globo mundo em sua mão.

 

26/09/1928

 

In “Mensagem” – 2ª. Edição – Estante Editora

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

 

 

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Segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Eugénio de Andrade

 

UM RIO TE ESPERA

 

Estás só, e é de noite

na cidade aberta ao vento leste.

Há muita coisa que não sabes

e é já tarde para perguntares.

Mas tu já tens palavras que te bastem,

as últimas,

pálidas, pesadas, ó abandonado.

 

Estás só

e ao teu encontro vem

a grande ponte sobre o rio.

Olhas a água onde passaram barcos,

escura, densa, rumorosa

de lírios ou pássaros nocturnos.

 

Por um momento esqueces

a cidade e o seu comércio de fantasmas,

a multidão atarefada em construir

pequenos ataúdes para o desejo,

a cidade onde cães devoram,

com extrema piedade,

crianças cintilantes

e despidas.

 

Olhas o rio

como se fora o leito

da tua infância:

lembras-te da madressilva

no muro do quintal,

dos medronhos que colhias

e deitavas fora,

dos amigos a quem mandavas

palavras inocentes

que regressavam a sangrar,

lembras-te de tua mãe

que te esperava

com os olhos molhados de alegria.

 

Olhas a água, a ponte,

os candeeiros,

e outra vez a água;

a água;

água ou bosque,

sombra pura

nos grandes dias de verão.

 

Estás só.

Desolado e só.

E é de noite.

 

 

In “Antologia Breve” – 5ª. Edição – 1985 – Editora Limiar

 

Eugénio de Andrade

1923 – 2005  

 

 

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Sexta-feira, 15 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... António Joaquim de Mesquita e Mello

SONETOS RECITADOS NA PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO

(HOJE DE D. PEDRO) NAS NOITES DE 3 E 4 DE MAIO DE 1821,

FESTEJANDO O CORPO DO COMMERCIO DA CIDADE DO PORTO

COM TODA A POMPA A FAUSTA NOTICIA DE TER S. M.

O SENHOR D. JOÃO VI JURADO A CONSTITUIÇÃO.

 

SONETO X

 

 

Foste, ó Porto, o primeiro que esforçado

Soubeste afuguentar Gallos intrusos;

Recobrados por ti antigos usos,

Por ti ao bom Monacharca o Reino dado.

 

 

Foste o primeiro que abateste ousado

Ruinosos, domesticos abusos;

Sendo o Porto immortal aonde os Lusos

A bonança feliz tem sempre achado.

 

 

Hoje és tu, que distinto mais fulguras

Na adhesão ao teu Rei, quando festejas

Seu grã triumpho sobre harplas duras.

 

 

Dando-lhe, sim, de amor provas sobejas,

Mostras que tuas são suas venturas,

Que só para seu bem, teu bem desejas.

 

 

In “Collecção de Poesias Reimpressas e Ineditas”

Tomo I – 1860

Typ. Sebastião José Pereira

 

Antonio Joaquim de Mesquita e Mello

1792 – 1884

 

 

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Segunda-feira, 11 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... António Aleixo

QUADRAS

 

 

São no Porto as Fontainhas

Onde as raparigas vão,

Como bando de andorinhas,

Na noite de São João!

………………………………....

 

Só São João, por ser Santo,

Numa noite, minha querida,

Faz com que vivamos tanto

Como no resto da vida.

…………………………………

 

São João, foste culpado

De não lhe dizer que não.

– Dizer que não é pecado

Na noite de São João!...

…………………………………

 

São João sabes, eu sei,

Como ela sabe, a razão

Porque nunca esquecerei

A noite de São João…

…………………………………

 

Quantos, quantos corações,

Presos à doce ilusão,

Ardem, tal qual os balões,

Na noite de São João!...

 

 

In “Este Livro Que Vos Deixo…” – Volume II

 

António Aleixo

1899 – 1949

 

 

                           

 

 

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Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Guilherme Braga

9 DE JULHO

 

Troa um férvido rebate

Como signal de combate

Dentro dos muros sagrados!

Sejamos dignos herdeiros

Dos indomáveis guerreiros

Dos nossos dias passados!

Rindo, affrontemos os crimes,

Como apóstolos, sublimes!

Valentes, como soldados!

 

Saudemos a ideia santa

Que aos pés dos livres supplanta,

Quebra, esmaga as gargalheiras!

A ideia que n’estes muros

Acossa os corvos escuros,

Ergue as sagradas bandeiras,

E, ante um deus mentido e falso,

Riu do algoz no cadafalso,

Riu das ballas nas trincheiras!

 

Sim! d’essa ideia aos impulsos

Que o Porto desprenda os pulsos

Dos ferros da iniquidade!

Entremos na lucta ardente,

Filhos da raça valente,

Filhos da heróica cidade!

Com phrenetico delírio

Entre a gloria, entre o martyrio,

Saudemos a liberdade!

 

A liberdade! a estrella redemptora,

                Cheia de imensa luz,

Que fulgia, serena como a aurora,

                Na fronte de Jesus!

 

A liberdade! a ideia tormentosa,

                Mil vezes n’um só,

Que rugia, tremenda e clamorosa,

                Na voz de Mirabeau!

 

Se, á luz de mil granadas coruscantes,

                Lh’ergueram novo altar

Nossos pães, ao saudal-a agonisantes,

Na serra do Pilar,

 

Sem medo aos sabres nus entre as espadas

                Que ferem nossa mãe

Sobre estas velhas aras derrubadas

                Saudemol-a também!

 

Mas ah! Porque a seus pés a nova guarda assoma,

E altiva lhe consagra os hynnos do futuro,

Tem nas veias o arder o torvo filtro impuro,

Dos Borgias e veneno! O bálsamo de Roma!

 

O escuro umbra et nihil, que Roma tinha á porta,

Negreja agora aqui nas armas da cidade!

O altar é mausuléo ! Filhos da Liberdade,

Enramae de laureis  a campa d’essa morta!

 

In “Poesias” – Ed. R.V. – Barcelos – 1898

Guilherme Braga

1845 – 1874

 

 

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Segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Castro Reis

 

ESTA CIDADE QUE EU AMO

 

 

Esta cidade que eu amo,

Minha cidade natal:

É a cidade a que eu chamo

– A Alma de Portugal!

 

Cidade que me foi berço,

Onde cresci, me fiz homem…

Nela acordo e adormeço

Sonhos que lembro e esqueço

– Que os sonhos doem, consomem!

 

Minha Cidade Tripeira,

Meu Porto, audaz e altruísta…

No teu grito, de alma inteira,

Se ergue a divisa altaneira

Da tua Gente bairrista.

 

Ó minha Cidade Invicta,

«Mui Nobre, Sempre Leal»

És coração, onde habita,

A chama ardente, bendita,

– Que deu nome a Portugal.

 

 

In “Esta Cidade Que Eu Amo”

 

Castro Reis

1918 – 2007

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 1 de Fevereiro de 2008

Recordando... Poetas que deram "voz" ao Porto... Sophia de Mello Breyner Andersen

 

PAISAGEM

 

 

Passavam pelo ar aves repentinas,

O cheiro da terra era fundo e amargo,

E ao longe as cavalgadas do mar largo

Sacudiam na areia as suas crinas.

 

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,

Era a carne das árvores elástica e dura,

Eram as gotas de sangue da resina

E as folhas em que a luz se descombina.

 

Eram os caminhos num ir lento,

Eram as mãos profundas do vento

Era o livre e luminoso chamamento

Da asa dos espaços fugitiva.

 

Eram os pinheirais onde o céu poisa,

Era o peso e era a cor de cada coisa,

A sua quietude, secretamente viva,

E a sua exalação afirmativa.

 

Era a verdade e a força do mar largo,

Cuja voz, quando se quebra, sobe,

Era o regresso sem fim e a claridade

Das praias onde a direito o vento corre.

 

 

In "Obra Poética I"

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

1919 – 2004

 

 

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