BALADA DO RIO DOIRO
Que diz além, além montanhas,
O Rio Doiro à tarde, quando passa?
Não há canções mais fundas, mais estranhas,
Que as desse rio estreito de água baça!...
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade?
Ó ruas torturadas e compridas,
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade,
Onde as veias são ruas com mil vidas?...
Em seus olhos de pedra tão escuros
Que diz ao vê-lo a Sé, quase sombria?
E a tão negra muralha à luz do dia?
E as ameias partidas sobre os muros?
Vergam-se os arcos gastos da Ribeira...
Que triste e rouca a voz dos mercadores!...
Chegam barcos exaustos da fronteira
De velas velhas, já multicolores...
Sinos, caixões, mendigos, regimentos,
Mancham de luto o vulto da cidade...
Que diz o rio além? Porque não há-de
Trazer ao burgo novos pensamentos?
Que diz o rio além? Ávido, um grito
Surge, por trás das aparências calmas...
E o rio passa torturado, aflito,
Sulcando sempre o seu perfil nas almas!...
In “Estrela Morta” – Poesias Escolhidas – INCM – Lisboa
Pedro Homem de Mello
1904 – 1984
PALMEIRAS DA VELHA FOZ
Palmeiras da velha Foz
eu entendo o vosso adeus…
já do mar me chega a voz
a anunciar ter chegado
ao resto dos dias meus…
Como vós, cabelo ao vento,
espero o corte da serra
e sinto, a cada momento,
minhas raízes entrando
nos veios fundos da terra!
Saís da terá em morrendo,
se eu morro, prà terra vou…
no chão que deixais, me estendo…
ele me consome a vida,
em vós a vida criou!
Minhas velhas feiticeiras
banhadas pelo luar,
dizendo adeus às traineiras
e fazendo as vossas magias,
pra que elas possam voltar!
Como vós, eu fico ouvindo
os gritos vindos da bruma
que socorro estão pedindo.
Como vós sou impotente
e não faço coisa nenhuma!
Se elas não voltam, que dores!...
Que penas sinto pairar…
Sois mulheres de pescadores,
braços abertos com ira
rogando pragas ao mar.
In “Castelo de Legos” – Papiro Editora
Maria de Lurdes Moreira Martins
N. 1934
INFANTE D. HENRIQUE
Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras –
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.
26/09/1928
In “Mensagem” – 2ª. Edição – Estante Editora
Fernando Pessoa
1888 – 1935
UM RIO TE ESPERA
Estás só, e é de noite
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.
Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passaram barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.
Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.
Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembras-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te de tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.
Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque,
sombra pura
nos grandes dias de verão.
Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.
In “Antologia Breve” – 5ª. Edição – 1985 – Editora Limiar
Eugénio de Andrade
1923 – 2005
SONETOS RECITADOS NA PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO
(HOJE DE D. PEDRO) NAS NOITES DE 3 E 4 DE MAIO DE 1821,
FESTEJANDO O CORPO DO COMMERCIO DA CIDADE DO PORTO
COM TODA A POMPA A FAUSTA NOTICIA DE TER S. M.
O SENHOR D. JOÃO VI JURADO A CONSTITUIÇÃO.
SONETO X
Foste, ó Porto, o primeiro que esforçado
Soubeste afuguentar Gallos intrusos;
Recobrados por ti antigos usos,
Por ti ao bom Monacharca o Reino dado.
Foste o primeiro que abateste ousado
Ruinosos, domesticos abusos;
Sendo o Porto immortal aonde os Lusos
A bonança feliz tem sempre achado.
Hoje és tu, que distinto mais fulguras
Na adhesão ao teu Rei, quando festejas
Seu grã triumpho sobre harplas duras.
Dando-lhe, sim, de amor provas sobejas,
Mostras que tuas são suas venturas,
Que só para seu bem, teu bem desejas.
In “Collecção de Poesias Reimpressas e Ineditas”
Tomo I – 1860
Typ. Sebastião José Pereira
Antonio Joaquim de Mesquita e Mello
1792 – 1884
QUADRAS
São no Porto as Fontainhas
Onde as raparigas vão,
Como bando de andorinhas,
Na noite de São João!
………………………………....
Só São João, por ser Santo,
Numa noite, minha querida,
Faz com que vivamos tanto
Como no resto da vida.
…………………………………
São João, foste culpado
De não lhe dizer que não.
– Dizer que não é pecado
Na noite de São João!...
…………………………………
São João sabes, eu sei,
Como ela sabe, a razão
Porque nunca esquecerei
A noite de São João…
…………………………………
Quantos, quantos corações,
Presos à doce ilusão,
Ardem, tal qual os balões,
Na noite de São João!...
In “Este Livro Que Vos Deixo…” – Volume II
António Aleixo
1899 – 1949
9 DE JULHO
Troa um férvido rebate
Como signal de combate
Dentro dos muros sagrados!
Sejamos dignos herdeiros
Dos indomáveis guerreiros
Dos nossos dias passados!
Rindo, affrontemos os crimes,
Como apóstolos, sublimes!
Valentes, como soldados!
Saudemos a ideia santa
Que aos pés dos livres supplanta,
Quebra, esmaga as gargalheiras!
A ideia que n’estes muros
Acossa os corvos escuros,
Ergue as sagradas bandeiras,
E, ante um deus mentido e falso,
Riu do algoz no cadafalso,
Riu das ballas nas trincheiras!
Sim! d’essa ideia aos impulsos
Que o Porto desprenda os pulsos
Dos ferros da iniquidade!
Entremos na lucta ardente,
Filhos da raça valente,
Filhos da heróica cidade!
Com phrenetico delírio
Entre a gloria, entre o martyrio,
Saudemos a liberdade!
A liberdade! a estrella redemptora,
Cheia de imensa luz,
Que fulgia, serena como a aurora,
Na fronte de Jesus!
A liberdade! a ideia tormentosa,
Mil vezes n’um só,
Que rugia, tremenda e clamorosa,
Na voz de Mirabeau!
Se, á luz de mil granadas coruscantes,
Lh’ergueram novo altar
Nossos pães, ao saudal-a agonisantes,
Na serra do Pilar,
Sem medo aos sabres nus entre as espadas
Que ferem nossa mãe
Sobre estas velhas aras derrubadas
Saudemol-a também!
Mas ah! Porque a seus pés a nova guarda assoma,
E altiva lhe consagra os hynnos do futuro,
Tem nas veias o arder o torvo filtro impuro,
Dos Borgias e veneno! O bálsamo de Roma!
O escuro umbra et nihil, que Roma tinha á porta,
Negreja agora aqui nas armas da cidade!
O altar é mausuléo ! Filhos da Liberdade,
Enramae de laureis a campa d’essa morta!
In “Poesias” – Ed. R.V. – Barcelos – 1898
Guilherme Braga
1845 – 1874
ESTA CIDADE QUE EU AMO
Esta cidade que eu amo,
Minha cidade natal:
É a cidade a que eu chamo
– A Alma de Portugal!
Cidade que me foi berço,
Onde cresci, me fiz homem…
Nela acordo e adormeço
Sonhos que lembro e esqueço
– Que os sonhos doem, consomem!
Minha Cidade Tripeira,
Meu Porto, audaz e altruísta…
No teu grito, de alma inteira,
Se ergue a divisa altaneira
Da tua Gente bairrista.
Ó minha Cidade Invicta,
«Mui Nobre, Sempre Leal»
És coração, onde habita,
A chama ardente, bendita,
– Que deu nome a Portugal.
In “Esta Cidade Que Eu Amo”
Castro Reis
1918 – 2007
PAISAGEM
Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.
Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.
Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.
Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.
Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.
In "Obra Poética I"
Sophia de Mello Breyner Andresen
1919 – 2004
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