ESTE INFERNO DE AMAR
Este inferno de amar – como eu amo! –
Quem mo pôs aqui n' alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembro que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...
In "Folhas Caídas" – 1853
Almeida Garrett
1799 – 1854
A GREI
São homens bons e honrados cavaleiros.
São homens de lavoura e dos misteres.
Eles serão na morte os primeiros,
Sempre que tu, ó Pátria, assim quiseres!
Irão bater no mar dos cerraceiros,
Irão servir-te aonde tu quiseres!
E passam confrarias. Marinheiros
Passam levando os filhos e as mulheres.
Casaram-se os arados com as redes.
O Rei, por entre o povo, é como vedes,
Um português com outros a tratar.
Pintor da Grei, eis tudo o que tu pintas!
Nuno Gonçalves, vá, prepara as tintas,
Prepara as tintas, vem daí pintar!
In «Pequena Casa Lusitana»
António Sardinha
1887 – 1925
À FLOR DAS VAGAS
Vai a barca do mundo à flor das vagas
No seu mar de tormentas;
Gemem os remadores,
Mordidos pelo beijo de chicote;
E tu, poeta, como um sacerdote,
Da bonança,
A conjurar o mal,
A cantar,
Sem nenhum desespero,
Te desesperar!
Sabe cada ternura a pão azedo
Os acenos são olhos disfarçados;
E os teus versos,
Gratuitos, desfolhados,
Sobre as chagas da vida
Como pensos sagrados
De beleza calmante e condoída!
Que humanidade tens, irmão?
De onde te vem a força, a decisão
E esse gosto de nunca desertar?
És o Cristo, talvez...
Um Cristo sem altar
Que ficaste a lutar
Junto de nós,
Tão presente, real e natural,
Que podemos ouvir-lhe a própria voz.
Miguel Torga
1907 – 1995
Em Lixboa sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
ay mia senhor velida!
Em Lisboa sobre lo lez
barcas novas mandei fazer,
ay mia senhor velida!
Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
ay mia senhor velida!
Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
ay mia senhor velida!
João Zorro
Século XIII – XIV
CONSTRUÇÃO
Se o mundo se constrói a pouco e pouco
E a vida se não vive de repente,
O que há no caminho dessa gente
Que se transporta em movimento louco?
Fomento, construção: – Eis o cabouco
Que se abre em consciência concorrente
E nos ergue o pilar dum sonho quente,
Que de tanto gritar se fica rouco!
Nas fábricas, nos bancos, nas escolas:
O trabalho e o suor não são esmolas
Que se mendiguem lá por caridade.
Não. A ganhar o pão de cada dia
Constrói-se um novo mundo de harmonia...
... Que é o desejo de toda a Humanidade!
Lisboa
Junho de 1957
In "Pedaços da Minha Vida" – Poesias
Edição do Autor – Lisboa – 1971
Oliveira Estêvão
EM CIMA DA MINHA MESA
Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo)
E me estudo,
A mim,
Também,
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!
À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora...
Ai minha Nossa Senhora,
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que é ainda mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino...!
No fundo da minha mala,
Mesmo lá no fundo, a um canto
Não lhes vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós...)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa...
Três maços – e nada leves! –
Atados com um retrós...
Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta...)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!
IN "As Encruzilhadas de Deus"
José Régio
1901 – 1969
OS AMIGOS
Os amigos amei
Despido de ternura
Fadigada;
Uns iam, outros vinham
A nenhum perguntava
Porque partia,
Porque ficava;
Era pouco o que tinha,
Pouco o que dava,
Mas também só queria
Partilhar
A sede da alegria –
Por mais amarga.
Eugénio de Andrade
1923 - 2005
O QUE DIZEMOS
O que dizemos,
Ninguém dirá
Como dizemos:
Palavra e gesto
Voz e acento
Calor e ritmo,
É tudo ímpar
É tudo novo
É tudo único.
Somos partículas
Inconfundíveis
Da Eternidade.
IN "Breve Tratado de Não" – Versificação
Carlos Queirós
1907 – 1949
CASTIGO
Se ao comermos o pão
não romper nesse pão
a lembrança do trigo
se ao bebermos a água
não vibrar a imagem
do minério mais vivo
nunca mais… nunca mais
há-de então encontrar-se
o mínimo vestígio
nem de trigo, nem de água
nuns lábios… numa face…
num gesto… num sorriso.
In "Come e Cala" Revista nº 12 Ano 1 1981
David Mourão Ferreira
1927 – 1996
BERÇO
Mansa criança brava,
Fui das mais,
Diferente.
Então, tristes, meus pais
Sentiram, certamente,
Em mim, como um castigo!
Noite e dia eu sonhava...
E era sempre comigo!
Depois, fugindo à gente
Eu procurava as flores,
Em todas encontrando
Jeito grácil e brando
De brinquedos e amores...
As violetas sombrias
Dos bosques de Cabanas
Essas, sim! Entendias
E julgava-as humanas!...
In Livro "Estrela Morta"
Pedro Homem de Melo
1904 – 1984
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