O MÉDICO PERFEITO
Humilde, não soberbo ou presunçoso;
Com os pobres, então, caritativo;
Benigno e manso, nunca vingativo;
Discreto e nem por sombras invejoso.
Amigo, sim, das letras e curioso;
Obreiro infatigável, sempre activo;
Desde o nascer do sol, alegre e vivo,
Até ao sol poente, nunca ocioso.
Sabedor, sem que o mostre envaidecido;
Na sua profissão, um desprendido;
Decente no trajar, morigerado,
Prudente, cauteloso, não arteiro,
E não murmurador, nem lisonjeiro
– Eis o Perfeito Médico esboçado.
Soneto – 1948
Prof. Hernâni Monteiro
1891 – 1963
DE TARDE
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde
1855 – 1886
In "O Livro de Cesário Verde"
A UM ROUXINOL CANTANDO
Ramalhete animado, flor do vento,
Que alegremente teus ciúmes choras
Tu, cantando teu mal, teu mal melhoras,
Eu, chorando meu mal, meu mal aumento.
Eu digo minha dor ao sofrimento
Tu cantas teu pesar a quem namoras,
Tu esperas o bem todas [as] horas,
Eu tenho qualquer mal tudo o momento.
Ambos agora estamos padecendo
Por decreto cruel do deos mínimo;
Mas eu padeço mais só porque entendo.
Que é tão duro e cruel o meu destino
Que tu choras o mal que estás sofrendo,
Eu choro o mal que sofro e que imagino.
IN "Fénix Renascida" III
Francisco de Vasconcelos
1665 – 1723
FLORIRAM POR ENGANO AS ROSAS BRAVAS
Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: vejo o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve.
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
Camilo Pessanha
1867 – 1926
SÓ ESTA LIBERDADE NOS CONCEDEM
Só esta liberdade nos concedem
Os deuses; submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
Nem outro jeito os deuses, sobre quem
O eterno fado pesa,
Usam para seu calmo e possuído
Convencimento antigo
De que é divina e livre a sua vida.
Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.
30/07/1914
Fernando Pessoa
Ricardo Reis
1887 – 1935 (?)
DE MIM ME SOU FEITO ALHEO
De mim me sou feito alheo;
antr'o cuidado e cuidado
está um mal derramado
que por mal grande me veo.
Nova dor, novo receo
foi este que me tomou:
assi me tem, assi estou.
D'esperança em esperança
pouco a pouco me levou
grand'engano ou confiança
que me tam longe leixou.
Se m'isto tomara outrora,
cuidara de ver-lhe fim:
mas qu'ei-de cuidar j'agora
sem esperança e sem mim!
Bernardim Ribeiro
1482 (?) – 1552 (?)
POETA
Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.
Humildes, pobres cousas , como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou
Em num, o antigo tempo é nova idade.
Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.
Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
IN "Sempre" (1898)
Teixeira de Pascoaes
1877 – 1952
OS AMIGOS
Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que sentia:
Supus que sobre a Terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!
Amigos, cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente:
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
– Que vamos nós – diziam – lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver!...
– Que cento e nove impávidos marotos.
Camilo Castelo Branco
1825 – 1890
Gentilmente enviado por minha
Amiga/Irmã Maria Albertina
MADRUGADA
Ah! Este poema das madrugadas,
que há tanto tempo enrodilhado
num sem-fim de estados de alma
me obcecava, tirânico,
sem se deixar fixar!...
Madrugada... e esta solidão crescendo,
esta nostalgia maior, e maior, e maior,
de não se sabe o quê
— nunca se sabe o quê...
que haverá nestas horas sozinhas e geladas,
para assim trazer à tona as indefinidas mágoas,
as saudades e as ânsias sem motivo
— de que não sabemos o motivo?...
Vieram as saudades do tempo de menino
— ou dum paraíso lá não sei onde?
Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros,
que sombras desceram sobre os olhos,
que tristeza maior fez maior o silêncio?
A que vem esse calor distante e absorto,
esse calar, esses modos distraídos?
Meu pobre sonhador! a esta hora
porventura se desvenda a Suprema Inutilidade?
e a definitiva ilusão de tantos gestos?
Interroga, interroga...
vai sonhando,
sem que saibas sequer o caminho que segues
vai, distraído e pensativo,
alheio de hoje,
vivendo já o derradeiro segundo...
Que a madrugada tem o pungir das agonias,
mas alheio, como o fim dum pesadelo...
Adolfo Casais Monteiro
1908 – 1972
TRINDADES
Hora de sonho – Trindades –
toca o sino em voz dolente...
Parece dentro da gente
baterem também saudades!
Trindades – hora de prece
volvida pura ao Senhor!
Vem-nos lembrar, com amor,
saudade que não esquece!
Trindades – hora infinita
que nos traz, serenamente,
a paz, a calma bendita
das penas de tanta gente!
Trindades – luz que esmorece
tristeza que, num carinho,
tem os afagos dum ninho,
dum sonho que se esvaece!...
Campos Teixeira
In Livro "Trovas Portuguesas" – 1924
Editora de A. Figueirinhas
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