SILÊNCIO
Silêncio é peso de Deus.
Levantar a voz começa
A pôr o homem sozinho
Como o morto numa essa.
Só o poeta, calado,
É como a espada dura
E o juízo formado.
Sua mão, no joelho,
Dá a medida pura
De um sonho muito velho.
Não dizer nada!
Ter um fato de lã
E a mão nele, apanhada
A maçã
Da promessa...
Mão de meu tio antigo,
Era essa, era essa
Que não trago comigo!
Vitorino Nemésio
1901 – 1978
EU ONTEM VI-TE…
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno a mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse,
Fulgor assim.
Ângelo de Lima
1872 – 1921
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Poesias – 1932
CONFIDENTE
O sol vai a morrer… Cair da tarde
na serrania agreste.
O vento faz queixumes, sem alarde
da mágoa que o reveste!
Triste do vento… Passa no arvoredo
soprando brandamente;
por entre as franças, canta quási a medo,
num ritmo dolente.
Porque entristeço, ouvindo-te soprar,
ó vento, meu amigo?!
Porque não é teu o meu penar,
e tu choras comigo!...
Elísio de Vasconcelos
1907 -1965
A Ternura Que Me Deste – 1945
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sofia de Mello Breyner
1919 – 2004
(Remetido por e-mail pela minha amiga a pintora Manuela Graça.)
POETA CASTRADO NÃO!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
– a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Ary dos Santos
1937 – 1984
MENINO DE OIRO
O meu menino é d'oiro
É d'oiro fino
Não façam caso que é pequenino
O meu menino é d'oiro
D'oiro fagueiro
Hei-de levá-lo no meu veleiro.
Venham aves do céu
Pousar de mansinho
Por sobre os ombros do meu menino
Do meu menino, do meu menino
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.
Quantos sonhos ligeiros
p'ra teu sossego
Menino avaro não tenhas medo
Onde fores no teu sonho
Quero ir contigo
Menino de oiro sou teu amigo
Venham altas montanhas
Ventos do mar
Que o meu menino
Nasceu p'r'amar
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.
José Afonso
(1929 – 1987)
In "As primeiras canções"
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprimem e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza
- E cai no meu coração.
Augusto Gil – In "Luar de Janeiro"
1873 – 1929
Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira
1900 – 1985
CAMÕES
Camões comparado
Aos mais escritores,
Nem entre os maiores
Foi sempre igualado:
Qual deles deu brado
Com tantos primores,
Tais frutos e flores
De engenho inspirado?
Com graças tão finas,
Ciência tamanha?
Estâncias divinas!
Qual deles ganha?
Os mais são colinas,
Ele é a montanha.
João de Deus
1830 – 1896
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