ANJOS
Os anjos são rijos como as pedras
E leves como as plumas.
Na leira rasa das aves, Tu que redras
Terra, névoas e espumas,
-Deus, de teu nome! - sabes
que um anjo é pouco e imenso:
Por isso cabes
No cabes no anjo e ergues o incenso.
Desfaleço a pensar-te
Ó ser de anjos e Deus
Que baixa em mim:
Sobe-me na alma, que ando a procurar-te
E dizendo-te Deus
Acho-te assim.
Lívidos, sem respiração
Ficávamos do toque
Da primeira asa vinda;
Mas eles rondam apenas a oração
Que murmura os evoque
E vão-se e tornam ainda.
Deles para cima, ainda mais graus de glória
Relutam ao sentido
Que deles vem á memória
Como uma bolha de ar na água de olvido:
No mais, são tão pesados,
Os anjos leves ao justo...
Tão alados,
Mas desgostosos do nosso susto!
É isso! Disse-mo agora
O verbo súbito surpreso:
Ser anjo é espanto da demora
Nossa e do peso pávido
Que nos estende.
Terrível é quem toca terra
Para a levar, e não a rende.
Que o anjo de si é ávido
De transe e rapidez,
E é ele que chora
Nosso chumbo hora a hora
É ele que não entende
A nossa estupidez.
Vitorino Nemésio
Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pinceladas de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.
António Gedeão, Movimentos Perpétuos, 1956
ORAÇÃO
Oh, Senhor, que beleza, que harmonia!
As graças nós Vos damos, porque agora,
Aqui, onde o canhou troou outrora,
Reina a bendita Paz e a alegria!
Os campos já floriram - que magia!
E o rosto do cruzeiro já não chora
Pois brincam as crianças ali fora
Enquanto os pais rezam: Avé Maria.
Já lá vão os rebanhos a pastar
E voltam as ceifeiras a cantar...
... Tanta alegria e fé que o mundo tem!
Oh, Senhor! Não deixeis que volte a guerra
A destruir a Paz que há na Terra.
- Bendito seja Deus, faz que assim seja:
- Amen.
Oliveira Estêvão - Porto, Maio de 1945
In Livro "Pedaços da minha alma"
Edição do Autor - 1ª Edição 1971
Saudades de Portugal
Quando o Sol já vem cansado
de vencer tanto caminho,
e busca a sombra dum ninho,
setinoso aconchegado,
vê Portugal num cantinho,
envolto em graça louçã...
e quer parar no caminho,
abrindo a luz da manhã!
Vai o Sol meio da estrada...
- brilha então com mais fulgor,
sempre a beijar com amor
terra por Deus bem-fadada!
E na luz cariciosa
dum inefável carinho,
dá vida e perfume à rosa,
aquece as penas do ninho.
Á tarde, o Sol sôbre o mar
vai descendo lentamente...
e na luz dum tom dolente
tem a sombra dum pesar...
Saudades!... quem as não sente?!
também o Sol leva mágoas...
e vai assim, lentamente,
descendo além, sôbre as águas...
Campos Teixeira
In Livro "Trovas Portuguesas" - 1924
Editora de A. Figueirinhas
A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do meio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Antero de Quental
(1842-1891)
MÃE PRECISO DE TI!
Mãe preciso de ti!
Preciso dos teus olhos
para me ensinares
a ver e a respeitar
aquilo que não tendo forma
eu não consigo tocar.
Mãe preciso de ti!
Preciso dos teus braços
para me abraçares
quando a chorar
vou aninhar-me no teu colo
e me fazes esquecer
o desgosto que acabei de ter.
Mãe preciso de ti!
Preciso das tuas mãos
para me ensinares
a colher uma margarida
sem destruir as outras
ou deixar a planta ferida.
Mãe preciso de ti!
Preciso da tua paciência
para me ouvires
contar as fantasias
que consigo imaginar
sem o meu sonho destruíres.
Mãe preciso de ti!
Preciso da tia inteligência
para deixares
que eu faça, sem interferências,
as minhas próprias experiências
e que te descreva aquilo
que para ti é evidente
de maneira completamente
diferente.
Mãe preciso de ti!
Preciso da tua presença
para poder compreender
as forças da Natureza
e ter realmente existência
na tua ausência.
Mãe preciso de ti!
Preciso que sejas adulta
para que eu possa crescer
com esperança
e ser agora apenas
Criança.
Ana Bela
In Livro "Fala a Meus Amigos"
A máscara
Esta luz animada e desprendida
Duma longínqua estrela misteriosa
Que, vindo reflectir-se em nosso rosto,
Acende nele estranha claridade;
Esta lâmpada oculta, em nossa máscara
Tomada transparente e radiante
De alegria, de dor ou desespero
E de outros sentimentos emanados
Do coração de um anjo ou de um demónio;
Este retrato ideal e verdadeiro,
Composto de alma e corpo e de que somos
A trágica moldura, errando à sorte,
É ela, é ela, a nossa aparição,
Feita de estrelas, sombras, ventanias
E séculos sem fim, surgindo, enfim,
Cá fora, sobre a Terra. à luz do Sol.
Teixeira de Pascoaes
(1877-1952)
Pára-me de repente o pensamento
Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.
Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado,
Pára e fica, e demora-se um momento.
Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, e se demora
E mergulha na noite escura e fria
Um olhar de aço, que essa noite explora.
Mas a espera da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora...
Ângelo de Lima
(1872-1921)
"Posso muitas vezes não sentir nem pensar
no que digo, mas o que escrevo, sinto-o sempre,
e sempre o penso." (Ângelo de Lima)
Poeta muito estimado, mas infeliz, foi internado
no Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles .
Antre mim mesmo e mim
Antre mim mesmo e mim
nam sei que s'alevantou
que tam meu imigo sou.
Uns tempos com grand'engano
vivi eu mesmo comigo;
agora no mor perigo
se me descobre o mor dano.
Caro custa um desengano,
e, pois m'este nam matou,
quam caro que me custou.
Bernardim Ribeiro
(séc. XVI)
Nada se sabe da biografia do autor,
apenas que colaborou no Cancioneiro Geral
de Garcia de Resende.
Este é o português da época.
IMPOSSÍVEL
Pudesse, alguma vez, est'alma inquieta,
Conhecer da Verdade a transcendência!
Dar-lhe, depois, a simples aparência
Duma coisa concreta...
Conseguisse atingir, do Sonho, a meta;
Em cada verso, revelar a Essência,
- Como a luz nos revela a transparência -
E seria um Poeta!
Mas, não! É bem melhor este impossível,
Que me deixa sentir, dentro do peito,
O coração a latejar, sensível,
A dor humana, eterna, incoercível,
- Embora insatisfeito!
Carlos Queirós
(1907/1949)
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