UMA SOMBRA OUTRA SOMBRA A NOITE DESCE
Uma sombra outra sombra a noite desce
uma sombra a noite desce
sobre telhados que não vejo
entra nas casas onde a esperam sem saber
da solidão gomosa que as trespassa e me trespassa
a mim que não a espero e não desejo
e a sinto sem a ver descer entre altos ramos
ouvindo um fio de musgo e susto que em seguida
me faz olhar o céu
Céu de incerteza beleza mutilada
na mesma claridade que floresce um só instante mais
enquanto morre
Céu de sereno sono com clarões baços e abandono e medo
e a vagarosa trémula, neblina que escorre e se desprende
o só calor real e só possível do que é imenso e impossível
no ansioso terror de nunca mais
Iluminam-se as ruas
enquanto sobre nós e em nós a noite desce cresce
e nos envolve e nos liberta e prende
Mas aqui onde estamos
já não estamos
que sem cartão de identidade e de mãos nuas
desafiando a noite e a confusão tentacular dos ramos
onde julgam que estamos
sem princípio e sem fim anónimos voamos
(Memória Dum Pintor Desconhecido)
In “Poesia Incompleta”
Publicações Europa-América
Mário Dionísio
1916 – 1993
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