CANTATA DO MAU MARINHEIRO
Em Calicut, uma vez,
o grande Vasco da Gama
pôs-me a ferros no porão.
Não por pena de traição
mas por eu passar na cama
trinta dias, cada mês.
Se retroava a bombarda
para acossar a moirisma
– a cambulhada casmurra -
eu dedilhava a bandurra,
recatando a minha cisma
ao anjo da minha guarda.
Quando o Santelmo chispava,
nos tops de popa a proa,
agoiros de calmaria,
eu ao bailique pedia
o caminho de Lisboa
e o corpo da minha escrava.
Quando a água escasseou,
a bolacha criou bicho
e o vinho já ia azedo,
eu nunca tremi de medo:
fiquei-me em santo de nicho
que a si mesmo se salvou.
Mas se o mar fazia espuma,
o vento cuspia pragas
e a nau parecia um trambolho,
já, do sono, abria um olho,
piscava-o de manso às vagas
– Que, enfim, a vida é só uma!
(Sei que a morte me não quer
enquanto andar embarcado,
só pecando em pensamento.
Porém sou primo do vento
e no seu corpo salgado
o mar é minha mulher...)
Não fui herói como os mais,
mas o almirante do rei
acabou por perdoar.
É que eu tinha de ficar
só nos trabalhos que sei
p`ra lhe dar estes sinais!
(A nau voltou a Belém
e eu, felizmente, estou bem!)
In “Jangada”
Coimbra Editor
António de Sousa
1898 – 1981
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