CONHEÇO ESSE SENTIMENTO
Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.
Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.
Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.
Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.
Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.
In “Poemas escolhidos e dispersos”
Roma Editora
Rosa Lobato de Faria
(1932-2010)
E DE NOVO A ARMADILHA DOS ABRAÇOS
E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.
In "Poemas escolhidos e dispersos"
Roma Editora
Rosa Lobato de Faria
(1932-2010)
OBRIGADO
Há outra palavra mágica
Gentil e bem educada
Que cai bem a toda a gente:
Obrigado ou obrigada.
Obrigado, se és menino
É ouvido com prazer.
Obrigada, se és menina
Não custa nada a dizer.
Emprega-a todos os dias
Com todos, e tu vais ver
Como há montes de magia
Na arte de agradecer.
In “ABC das coisas mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
(1932-2010)
AMEI-TE COM AS PALAVRAS
Amei-te com as palavras
com o verde ramo das palavras
e a pomba assustada do coração.
Amei-te com os olhos
o espelho doido dos olhos
e a sede inextinguível da boca.
Amei-te com a pele
as pernas e os pés
e todos os gritos que trago
por debaixo da roupa.
Amei-te com as mãos
As mesmas com que te digo adeus.
In “As Pequenas Palavras”
Guimarães Editores - 1987
Rosa Lobato de Faria
(1932-2010)
PRIMEIRO A TUA MÃO SOBRE O MEU SEIO
Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.
É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.
O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.
Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
somos a maré alta de quem ama
Por fim o sono calmo, que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
SE EU MORRER DE MANHÃ
"Se eu morrer de manhã
abre a janela devagar
e olha com rigor o dia que não tenho.
Não me lamentes. Eu não me entristeço:
ter tido a morte é mais do que mereço
se nem conheço a noite de que venho.
Deixa entrar pela casa um pouco de ar
e um pedaço de céu
- o único que sei.
Talvez um pássaro me estenda a asa
que não saber voar
foi sempre a minha lei.
Não busques o meu hálito no espelho.
Não chames o meu nome que eu não venho
e do mistério nada te direi.
Diz que não estou se alguém bater à porta.
Deixa que eu faça o meu papel de morta
pois não estar é da morte quanto sei."
In "Poemas Escolhidos e Dispersos"
Roma Editora – Lisboa 1997
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
BOM DIA
Não há magia como Bom dia
Para começar bem a manhã.
Dá alegria, dá energia
esta magia feliz e sã.
Bom dia Mãe, Bom dia Pai.
Bom dia Avó, Bom dia Avô.
Bom dia manos, Bom dia Gato.
Bom dia, dia que começou.
E aquele velhinho que não tem nada
que anda perdido pelo caminho
ouviu Bom dia, ficou calado
mas já se sente menos sozinho.
In “ABC das Coisas Mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
POR FAVOR
Quando queres alguma coisa
Não te esqueças, meu amor,
De juntar ao teu pedido
As palavras por favor.
Vai fazer toda a diferença
Como azeite do vinagre.
Fica tudo mais alegre
Como se fosse um milagre.
Faz acontecer magia
Não te esqueças Por Favor!
Porque toda a cortesia
É uma forma de amor.
In “ABC das Coisas Mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
Falecida a 02 de Fevereiro de 2010
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