Terça-feira, 19 de Março de 2024

Recordando... Ricardo Gil Soeiro

SÓ UM RUMOR

 

acredita em mim: é só um rumor:

não sei escrever o vento, nem como se nasce outra vez.

 

nunca soube como se tece no piano a face vazia do tempo.

 

por favor, não perguntes:

pois eu não sei como germina um poema,

nem quantos dias cabem no teu rosto.

 

E como se conjuga a cidade e o adeus?

 

Perguntas, mas eu não sei o que é a morte.

 

In “Espera Vigilante”

Edições Humus

 

Ricardo Gil Soeiro

(N.1981)

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Quarta-feira, 13 de Março de 2024

Recordando... Saúl Dias **

TARDE QUIETA DE DOMINGO

 

Tarde quieta de domingo,

quieta, quieta...

Joga ao ar a bola preta

o menino.

 

Só a música

inquieta um pouco...

(o perpassar talvez do espírito louco

do Músico-Poeta...)

 

E, na varanda,

as rosas brancas

pendem sobre a estrada.

 

– Quem acendeu as luzes

em pleno dia?

 

Tanto de quase nada!...

 

In “Ainda”

Edições Presença

 

Saúl Dias **

(1902-1983)

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Quinta-feira, 7 de Março de 2024

Recordando... Ruy Belo

POVOAMENTO

 

No teu amor por mim há uma rua que começa

Nem árvores nem casas existiam

antes que tu tivesses palavras

e todo eu fosse um coração para elas

Invento-te e o céu azula-se sobre esta

triste condição de ter de receber

dos choupos onde cantam

os impossíveis pássaros

a nova primavera

Tocam sinos e levantam voo

todos os cuidados

Ó meu amor nem minha mãe

tinha assim um regaço

como este dia tem

E eu chego e sento-me ao lado

da primavera

 

In "Aquele grande rio Eufrates"

Assírio & Alvim

 

Ruy Belo

(1933-1978)

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Sexta-feira, 1 de Março de 2024

Recordando... Rui Miguel Fragas **

INFINITA CONVERSA COM AS NUVENS

 

Antes de partir para as montanhas espalharei os

poemas pelo chão como quem abre um mapa pela

última vez. Como quem relembra o extenso areal dos

dias, a incansável rotina dos comboios, a infinita

conversa com as nuvens.

 

Quando partir para as montanhas deixarei os poemas

pelo chão como quem renega todos os mapas. Levarei

apenas o meu corpo para que ele me fale do teu.

 

In “O Nome das Árvores”

Poética Edições

 

Rui Miguel Fragas **

 

** Pseudónimo de Rui Féteira

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Domingo, 25 de Fevereiro de 2024

Recordando... Rui Pires Cabral

MORANGOS

 

No começo do amor, quando as cidades

nos eram desconhecidas, de que nos serviria

a certeza da morte se podíamos correr

de ponta a ponta a veia eléctrica da noite

e acabar na praia a comer morangos

ao amanhecer? Diziam-nos que tínhamos

 

a vida inteira pela frente. Mas, amigos,

como pudemos pensar que seria assim

para sempre? Ou que a música e o desejo

nos conduziriam de estação em estação

até ao pleno futuro que julgávamos

 

merecer? Afinal, o futuro era isto.

Não estamos mais sábios, não temos

melhores razões. Na viagem necessária

para o escuro, o amor é um passageiro

ocasional e difícil. E a partir de certa altura

todas as cidades se parecem.

 

In “Longe da Aldeia”

Editora Aveno

 

Rui Pires Cabral

(N.1967)

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Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2024

Recordando... Sebastião da Gama

PUREZA

 

Vem toda nua

ou, se o não consentir o teu pudor,

vestida de vermelho.

 

Teus tules brancos,

o azul, que desmaia,

de tuas sedas finas,

guarda-os p’ra outros dias.

 

P’ra quando, Amor!, teu ventre, já redondo,

merecer a pureza do azul...

 

In “Cabo da Boa Esperança”

Editora Ática

 

Sebastião da Gama

(1924-1952)

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Terça-feira, 13 de Fevereiro de 2024

Recordando... Augusto Molarinho de Andrade

O OUTONO…

 

Soltam-se as folhas, que levadas pela brisa

Já atapetam lentamente todo o chão

Sinal seguro de que se foi o Verão

Espera-se a chuva, que este solo bem precisa

 

É o Outono a chegar a toda a brida

Já suas águas nem ao longe se divisam

Minguam os dias mas o que as terras precisam

São as chuvadas, ou a safra está perdida

 

Vai-se despindo o arvoredo da folhagem

E os riachos lentamente vão secando

As trovoadas que por vezes vão rondando

Depressa passam e seguem sua viagem

 

O tempo esfria, o sol deita-se mais cedo

Toldam os céus as névoas de madrugada

As andorinhas vão partindo em debandada

Vai-se esbatendo o descanso e o folguedo

 

Volta a rotina, a balbúrdia costumeira

Pra trás ficaram breves tempos de ripanço

Talvez pró ano haja uns dias de descanso

Está de volta a labuta e a canseira

 

É essa a vida difícil de quem trabalha

Cuja função nunca devem descurar

Há tanta gente à espreita desse lugar

Que preservá-lo é a mais dura batalha

 

Foi-se o Verão! Com ele partiram sonhos

Voltam os dias mais sombrios, mais cinzentos

Não há mais tempo pra lamúrias, pra lamentos

Nem pra esbanjar com pensamentos tristonhos

 

In “Alentejano e Poeta"

 

Augusto Molarinho de Andrade

(N.1948)

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Quarta-feira, 7 de Fevereiro de 2024

Recordando... Egito Gonçalves

FONS VITÆ

 

Dá o sangue mas está suspenso no ar:

venceu a força da gravidade

e ali prossegue, figura de martírio,

sangrando para a vasca. Personagens

em torno dela ajoelham. Não é

para menos: trata-se do Cristo

Redentor. O sangue faz ajoelhar

os poderosos que há séculos

fazem correr sangue alheio

em nome desse Cristo − prática normal

das religiões. Mistério é o modo como

veio sangrar a esta cidade, nas paredes

da Misericórdia. Mistério a que faltam

referências decerto condutoras ao ouro

brasileiro e a papéis perdidos

de doadores soterrados nos desvãos

anónimos da história, um puzzle

a que sempre faltam peças. Ali está ele,

fonte inesgotável na sua cruz,

fonte de vida segundo o título.

No fundo há uma paisagem, mas o Cristo

volta as costas à flora flamenga:

apenas sangra, não se sabe o que vê

suspenso sobre o mundo que não é o seu.

O rei que olha e medita o significado

daquele sangue (se é que é o rei)

irá erguer-se e finalmente assinar

o decreto da Santa Inquisição. Sairá

daquele quadro cheio de dúvidas, mas

o sangue continuará a correr, agora

fonte de morte − mas benzida

pelo selo real do Venturoso.

 

In “Entre Mim e a Minha Morte Há Ainda um Copo de Crepúsculo”

Campo das Letras - 2006

 

Egito Gonçalves

(1920 -2001)

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Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 2024

Recordando... António Ramos Rosa

À MORTE DUM POETA

 

Sem ternura

sem pureza

não grito a tua morte apenas violenta

a tua morte apenas violenta ecoa em mim

e já não existo senão escuro e tremo

um pobre corpo atemorizado um coração de vazio

e a vergonha de não ter lágrimas e a ignorância

Estou mais razo do que tu, poeta, a uma mesa de café

mais morto mais falso mais nojento do que tu

e disfarço o silêncio e naturalmente continuo na vida

e rio e fujo e não consigo enterrar-te

não consigo chorar-te

porque o horror violento me desenha o corpo

Tiraste-me a vida e quase te odeio poeta

a minha morte teria sido muito mais insignificante

a minha morte teria sido mais justa

É esta ideia que te não perdoo, esta ideia horrorosa que bebo

esta ideia de que não mereço a tua morte

porque não mereci a tua vida

O que eu odeio é não te ter amado

o que eu odeio é a minha pobre vida e a minha culpa

o que eu odeio é ter ficado

Deixaste-me a responsabilidade tremenda de sobreviver-te

e por isso te amo e por isso descansa, poeta!

 

11 de Fevereiro de 1952

 

In “ÁRVORE ”

Folhas de Poesia

Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,

José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho

1.º Fascículo - Inverno de 1951-52

Pág. 94

 

António Ramos Rosa

(1924-2013)

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Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2024

Recordando... Maria Aurora **

TRAGO-TE NOS BRAÇOS AO CAIR DA TARDE

 

Trago-te nos braços ao cair da tarde
quando a glicínia cheira na porta do meu corpo
tacteias a espaço a porta entreaberta
e reténs o grito na fogueira da boca
convulsionada e ágil te conduzo
na relva agora húmida e macia.
Fecho-me para crescer em ti
os dedos acordados e subtis

e é tudo água, vórtice, clarão.


In “Antes que a noite caia”

Editora Ausência

 

Maria Aurora **

(1937-2010)

 

** Pseudónimo de Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem

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