Sexta-feira, 13 de Maio de 2022

Recordando... Manuel António Pina

COISAS QUE NÃO HÁ QUE HÁ

 

Uma coisa que me põe triste

é que não existe o que não existe.

(Se é que não existe, e isto é que existe!)

Há tantas coisas bonitas que não há:

coisas que não há, gente que não há,

bichos que já ouve e já não há,

livros por ler, coisas por ver,

feitos desfeitos, outros feitos por fazer,

pessoas tão boas ainda por nascer

e outras que morreram há tanto tempo!

Tantas lembranças de que não me lembro,

Sítios que não sei, invenções que não invento,

gente de vidro e de vento, países por achar,

paisagens, plantas, jardins de ar,

tudo o que eu nem posso imaginar

porque se o imaginasse já existia

embora num lugar onde só eu ia...

 

In “O pássaro da cabeça e mais versos para crianças”

Assírio & Alvim

 

Manuel António Pina

(1943-2012)

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Sexta-feira, 31 de Janeiro de 2020

Recordando... Manuel António Pina

ESPLANADA

 

Naquele tempo falavas muito de perfeição,

da prosa dos versos irregulares

onde cantam os sentimentos irregulares.

Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

 

agora lês saramagos & coisas assim

e eu já não fico a ouvir-te como antigamente

olhando as tuas pernas que subiam lentamente

até um sítio escuro dentro de mim.

 

O café agora é um banco, tu professora do liceu;

Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.

Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,

e não caminhos por andar como dantes.

 

In “Um Sítio onde Pousar a Cabeça”

 

Manuel António Pina

(1943-2012)

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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2016

Recordando... Manuel António Pina

JUNTO À ÁGUA

 

Os homens temem as longas viagens

os ladrões da estrada, as hospedarias,

e temem morrer em frios leitos

e ter sepultura em terra estranha.

 

Por isso os seus passos os levam

de regresso a casa, às vontades da infância,

ao velho portão em ruínas, à poeira

das primeiras, das únicas lágrimas.

 

Quantas vezes em

desolados quartos de hotel

esperei em vão que me batesses à porta,

voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!

 

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,

sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,

e no meio das multidões dos aeroportos.

Agora só quero dormir um sono sem olhos

 

e sem escuridão, sob um telhado por fim.

À minha volta estilhaça-se

o meu rosto em infinitos espelhos

e desmoronam-se os meus retratos na moldura.

 

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.

Anoitece em todas as cidades do mundo,

acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos

onde o meu coração, falando, vagueia.

 

(Um Sítio Onde Pousar a Cabeça)

 

In “Todas as palavras”

Poesia reunida

Assírio & Alvim

 

Manuel António Pina

(1943-2012)

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Quinta-feira, 30 de Abril de 2015

Recordando... Manuel António Pina

TODAS AS PALAVRAS

 

As que procurei em vão,

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou desistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

e as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo

e se foram levando o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias

as minhas últimas palavras.

 

In “Poesia Reunida”

Assírio & Alvim

 

Manuel António Pina

(1943–2012)

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Sábado, 7 de Dezembro de 2013

Recordando... Manuel António Pina

OS GATOS

 

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos

 

In “Como se desenha uma casa”

Editora Assírio & Alvim

 

Manuel António Pina

1943 – 2012

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