INSÓNIA
Um dois e três carneiros
saltitam espertos
Mais três como os primeiros
– e eu de olhos abertos…
Sete oito nove dez
fugidos ao seu dono
Já são quarenta pés
– e eu à espera do sono…
Onze bolas de lã
tropeçando à marrada.
Já é quase manhã
– e quanto a dormir nada…
Uma dúzia balindo
(e só sabem balir)
Que rebanho tão lindo
de horas sem dormir!…
Mais cinco dezassete,
mais quatro vinte e um
Esta noite promete
– e eu sem sono nenhum…
Vinte e dois vinte e três…
E mais um par recolho
Já passaram mais dez
– e eu sem pregar olho…
Já lá vão trinta e quatro
se não erro ou não esqueço
Lá vem mais um pacato
– e eu cá não adormeço…
Chega meia centena
a tropeçar na lama
Quem de mim terá pena
sempre às voltas na cama?
Já são oitenta e cinco
mais quinze faz os cem
Eles brincam e eu brinco
sem ter sono também…
Ai se o lobo nocturno
atacasse… – que horror!
Por isso é que não durmo
É que eu sou o pastor…
In “A Lia Que Lia Lia”
Elefante Editores
Antero Monteiro
N. 1946
AS FADAS
"As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar...
Algumas em fonte fria
Escondem-se enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder..."
In “As Fadas”
Antero de Quental,
1842 - 1891
SONHO
Sonhei – nem sempre o sonho é coisa vã –
Que um vento me levava arrebatado,
Através desse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã...
As estrelas, que guardam a manhã,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?
Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traíssem as grandes mágoas minhas,
E passava furtivo e silencioso,
Nem ousava contar-lhes, às estrelas,
Contar às tuas puras irmãzinhas
Quanto és falsa, meu bem, e indigna delas!
Antero de Quental
1842 – 1891
INTIMIDADE
Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela – e se te não comparo à rosa,
É que a rosa, bem vês, passou de moda...
Anda-me às vezes a cabeça à roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidão ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.
Mas e na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!
E não te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo, juras
– mentindo – que me tens amor...
Antero Quental
1842 – 1891
Uma Amiga
Aqueles que eu amei, não sei que vento
Os dispersou no mundo, que os não vejo...
Estendo os braços e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento...
Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos... que eu invejo...
Passam por mim... mas como que têm pejo
Da minha soledade e abatimento!
Daquela primavera venturosa
Não resta uma flor só, uma só rosa...
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!
Tu só foste fiel – tu, como d'antes,
Inda volves teus olhos radiantes...
Para ver o meu mal... e escarnecê-lo!
Antero de Quental
(1842 – 1891)
In Sonetos – Estante Editora
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