QUANDO ENTOAR COMEÇO COM VOZ BRANDA
Quando entoar começo com voz branda
Vosso nome de amor, doce, e suave,
A terra, o mar, vento, água, flor, folha, ave
Ao brando som se alegra, move, e abranda.
Nem nuvem cobre o céu, nem na gente anda
Trabalhoso cuidado, ou peso grave,
Nova cor toma o Sul, ou se erga, ou lave
No claro Tejo, e nova luz nos manda.
Tudo se ri, se alegra, e reverdece.
Todo mundo parece que renova.
Nem há triste planeta, ou dura sorte.
A minh'alma só chora, e se entristece,
Maravilha de Amor cruel, e nova!
O que a todos traz vida, a mim traz morte.
In “Poemas Lusitanos” – 1598
Mandado publicar por seu filho, Miguel Leite Ferreira
António Ferreira
(1528-1569)
LIVRO, SE LUZ DESEJAS, MAL TE ENGANAS
Livro, se luz desejas, mal te enganas.
Quanto melhor será dentro em teu muro
Quieto, e humilde estar, inda que escuro,
Onde ninguém t'impece, a ninguém danas!
Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
Coa novidade aprazem; logo em duro
Ódio e desprezo ficam: ama o seguro
Silêncio, fuge o povo, e mãos profanas.
Ah! não te posso ter! deixa ir comprindo
Primeiro tua idade; quem te move
Te defenda do tempo, e de seus danos.
Dirás que a pesar meu fostes fugindo,
Reinando Sebastião, Rei de quatro anos:
Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.
In “Poemas Lusitanos” – 1598
Mandado publicar por seu filho, Miguel Leite Ferreira
António Ferreira
1528 – 1569
Ó ALMA PURA ENQUANTO CÁ VIVIAS
(À morte da esposa)
Ó alma pura enquanto cá vivias,
Alma, lá onde vives, já mais pura,
Porque me desprezaste? Quem tão dura
Te tornou ao amor, que me devias?
Isto era, o que mil vezes prometias,
Em que minh’alma estava tão segura,
Que ambos juntos da hora desta escura
Noute nos subiria aos claros dias?
Como em tão triste cárcere me deixaste?
Como pude eu sem mim deixar partir-te?
Como vive este corpo sem sua alma?
Ah! que o caminho tu bem mo mostraste,
Porque correste à gloriosa palma!
Triste de quem não mereceu seguir-te!
In “Poemas Lusitanos” – 1598
Mandado publicar por seu filho, Miguel Leite Ferreira
António Ferreira
1528 – 1569
DOS MAIS FORMOSOS OLHOS
Dos mais formosos olhos, mais formoso
Rosto, que entre nós há, do mais divino
Lume, mais branca neve, ouro mais fino,
Mais doce fala, riso mais gracioso:
Dum Angélico ar, de um amoroso
Meneio, de um espírito peregrino
Se acendeu em mim o fogo, de que indigno
Me sinto, e tanto mais assim ditoso.
Não cabe em mim tal bem-aventurança.
É pouco da alma só, pouco da vida,
Quem tivesse que dar mais a tal fogo!
Contente a alma dos olhos água lança
Pelo em si mais deter, mas é vencida
Do doce ardor, que não obedece a rogo.
In “Poemas Lusitanos” – 1598
Mandado publicar por seu filho,
Miguel Leite Ferreira
António Ferreira
1528 – 1569
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