Domingo, 7 de Maio de 2023

Recordando... Ana Luísa Amaral

ANJOS CAÍDOS

 

Neste palco de sol,
de repente:
os teus lábios:
anjos caídos mas abençoando

Cada curva e tremura
dentro do nervo exacto
da memória

Por esses lábios
eu faria tudo:

rasgava-me de sangue
e inocência,
partia com as mãos vitrais
e estrelas,
desintegrava o sol

Já não anjos caídos
os teus lábios,
mas deuses transportados
pelos meus

 

In “Imagias”

Gótica Editora   

 

Ana Luísa Amaral

(1965-2022)

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Sexta-feira, 1 de Abril de 2022

Recordando... Ana Luísa Amaral

TENTO EMPURRAR-TE DE CIMA DO POEMA 

 

Tento empurrar-te de cima do poema

para não o estragar na emoção de ti:

olhos semi-cerrados, em precauções de tempo

a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.

 

Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:

tudo coisas de ti, mas coisas de partir…

E o meu alarme nasce: e se morreste aí,

no meio de chão sem texto que é ausente de ti?

 

E se já não respiras? Se eu não te vejo mais

por te querer empurrar, lírica de emoção?

E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?

E se tu não estiveres onde o poema está?

 

Faço eroticamente respiração contigo:

primeiro um advérbio, depois um adjectivo,

depois um verso todo em emoção e juras.

E termino contigo em cima do poema,

presente indicativo, artigos às escuras.

 

In “Coisas de Partir”

Fora do Texto

 

Ana Luísa Amaral

(N.1956)

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Quarta-feira, 1 de Novembro de 2017

Recordando... Ana Luísa Amaral

ANIVERSÁRIO

 

Será comovedor os quatro anos

e a festa colorida

as velas mal sopradas entre um rissol

no chão e os parabéns:

quatro anos de vida.

Serão comovedores os sumos de

laranja concentrados (proporções

por defeito) e os gostos tão

diversos, o bolo de ananás,

os pés inchados.

Será soberbamente comovente

toda a gente cantando,

o mau comportamento dos adultos

conversas-gelatinas e os anos

só pretexto.

Mas eu gostei. E contra mim gostei

mesmo no resto:

este prazer pequeno do silêncio

um sapato apertando descalçado

guardanapo e rissol por arrumar

no chão e um copo

olhando o nada

em restos de champanhe

 

(Minha Senhora de Quê)

 

In “Inversos – Poesias 1990 – 2010”

Publicações Dom Quixote

 

Ana Luísa Amaral

(N. 1956)

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Sexta-feira, 13 de Setembro de 2013

Recordando... Ana Luísa Amaral

MÚSICAS

 

Desculpo-me dos outros com o sono da minha filha.

E deito-me a seu lado,

a cabeça em partilha de almofada.

 

Os sons dos outros lá fora em sinfonia

são violinos agudos bem tocados.

Eu é que me desfaço dos sons deles

e me trabalho noutros sons.

 

Bartók em relação ao resto.

 

A minha filha adormecida.

Subitamente sonho-a não em desencontro como eu

das coisas e dos sons, orgulhoso

e dorido Bartók.

 

Mas nunca como eles

bem tocada

por violinos certos.

 

In “Minha Senhora De Quê “

Editora Quetzal – 1999

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

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Quarta-feira, 1 de Agosto de 2012

Recordando... Ana Luísa Amaral

ENCENAÇÕES E QUASE VOOS

 

Uma luz construída

ilumina

esses santos,

cada um sem o halo,

mas pombo circundante

na cabeça

 

São quatro santos no cimo

da igreja,

e cada um dos pombos escolheu

a face mais marcada,

os caracóis de pedra

que fossem mais macios

 

Talvez não sejam santos,

mas apóstolos, tão de barroco,

e o seu gosto a vestir:

um excesso de desvio

quase pecado

 

Apóstolos ou santos,

os pombos circundantes na cabeça

são halos delicados

que, julgando-se em céu,

vêem quase metade da cidade,

a meio: o rio e os telhados

de casas

 

Fingindo-se de mão a abençoar,

são adereço de um teatro

inteiro:

caos encenado

ou um perfil egípcio

 

E os caracóis solenes e sombrios

convidam ao pecado

e convocam-me aqui: noite de verão,

a liquidez do olhar:

 

Eu não poder,

em pedra,

abrir as asas

 

 

In “Se Fosse Um Intervalo”

Edições Dom Quixote

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

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Sexta-feira, 29 de Outubro de 2010

Recordando... Ana Luísa Amaral

UM CÉU E NADA MAIS

 

Um céu e nada mais - que só um temos,

como neste sistema: só um sol.

Mas luzes a fingir, dependuradas

em abóbada azul - como de tecto.

E o seu número tal, que deslumbrados

eram os teus olhos, se tas mostrasse,

amor, tão ribalta azul, como de

circo, e dança então comigo no

trapézio, poema em alto risco,

e um levíssimo toque de mistério.

Pega nas lantejoulas a fingir

de sóis mal descobertos e lança

agora a âncora maior sobre o meu

coração. Que não te assuste o som

desse trovão que ainda agora ouviste,

era de deus a sua voz, ou mito,

era de um anjo por demais caído.

Mas, de verdade: natural fenómeno

a invadir-te as veias e o cérebro,

tão frágil como álcool, tão de

potente e liso como álcool

implodindo do céu e das estrelas,

imensas a fingir e penduradas

sobre abóbada azul. Se te mostrasse,

amor, a cor do pesadelo que por

aqui passou agora mesmo, um céu

e nada mais -que nada temos,

que não seja esta angústia de

mortais (e a maldição da rima,

já agora, a invadir poema em alto

risco), e a dança no trapézio

proibido, sem rede, deus, ou lei,

nem música de dança, nem sequer

inocência de criança, amor,

nem inocência. Um céu e nada mais.

 

 

In “Às Vezes o Paraíso”

Quetzal Editores – Lisboa – 1998  

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

 

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Sexta-feira, 4 de Dezembro de 2009

Recordando... Ana Luísa Amaral... Poetisa Contemporânea

UM CÉU E NADA MAIS

 

Um céu e nada mais – que só um temos,

como neste sistema: só um sol.

Mas luzes a fingir, dependuradas

em abóbada azul - como de tecto.

E o seu número tal, que deslumbrados

eram os teus olhos, se tas mostrasse,

amor, tão ribalta azul, como de

circo, e dança então comigo no

trapézio, poema em alto risco,

e um levíssimo toque de mistério.

Pega nas lantejoulas a fingir

de sóis mal descobertos e lança

agora a âncora maior sobre o meu

coração. Que não te assuste o som

desse trovão que ainda agora ouviste,

era de deus a sua voz, ou mito,

era de um anjo por demais caído.

Mas, de verdade: natural fenómeno

a invadir-te as veias e o cérebro,

tão frágil como álcool, tão de

potente e liso como álcool

implodindo do céu e das estrelas,

imensas a fingir e penduradas

sobre abóbada azul. Se te mostrasse,

amor, a cor do pesadelo que por

aqui passou agora mesmo, um céu

e nada mais - que nada temos,

que não seja esta angústia de

mortais (e a maldição da rima,

já agora, a invadir poema em alto

risco), e a dança no trapézio

proibido, sem rede, deus, ou lei,

nem música de dança, nem sequer

inocência de criança, amor,

nem inocência. Um céu e nada mais.

 

 

In “Às Vezes o Paraíso”

Quetzal Editores

 

Ana Luísa Amaral

N. 1956

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
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