FIVE O'CLOCK TEAR
Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora
Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la
E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito
E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos
E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes
Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada
In “A Palavra o Açoite”
Centelha Editora – 1984
Emanuel Félix
(1936- 2004)
O MAIS IMPORTANTE É SERES FELIZ.
O mais importante é seres feliz.
Disse-mo sempre minha mãe.
As palavras deslizando de seus lábios,
trazidas da mais sábia memória,
que só o coração ousa.
E, mesmo quando falharam
todas as vozes, que anunciavam
um silêncio cativo do medo,
ela mo disse: o mais importante é seres feliz.
O seu olhar sem sombras.
As suas mãos tacteando a luz.
Como se rezasse.
Ou levedasse o pão.
Ou recolhesse inesperadas emoções.
Sem medo de ser expulsa
do meu próprio assombro,
franqueio a alma
a um tempo de sedução
e pernoito num adolescente sossego,
ao abrigo de todos os fantasmas.
In “Reino da Lua”
Editora Escritor - 2002
Graça Pires
(N. 1946)
FLORES PARA MORTOS
Não se comem lírios,
Nem cravos e rosas.
De contrário, os poetas
Não as escolhiam
Para as suas glosas.
Nem as flores seriam,
Agora mais raras,
Cobertura fácil
Para as campas rasas.
In “A Faca No Pão”
Editora & etc - 1981
Edgar Carneiro
(1913-2011)
CORPO
Corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa
abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado
mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas
levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
In “A Noite Progride Puxada à Sirga”
Al Berto **
(1948-1997)
** Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares
A MAGDALENA
De Noucte a Magdalena vai segura,
Passa per homens d’armas sem temor,
Tam enlevada vai no seu amor,
Que lhe não lembra a quãto s’aventura.
Indo buscar a vida á sepultura
Quando não achou nella o Redentor,
Com suspiros, com lagrimas, com dor
Movia a piedade a pedra dura.
Suave Esposo meu, ah meu só bem
(Co’s olhos no sepulchro começou)
Levarão-vos daqui? aqui vos tinha?
Quem vos levou Senhor, onde vos tem?
Torne-me, meu Senhor, quë mo levou,
Ou leve com seu corpo est’alma minha.
In “Várias Rimas ao Bom Jesus e à Virgem Gloriosa Sua Mãi e a Santos Particulares”
Officina de Miguel Rodrigues – Lisboa - 1770
Diogo Bernardes
(1520 - 1605)
Mantém a grafia original
CÚMPLICES
Tomo o rumo dos que se refugiam
na derradeira estrela, a boca
é um tumulto de coisas luminosas.
A casa, ao longe,
impregnou de silêncio o céu e a terra, em tudo
se reflecte para a exaustão da brancura, o brilho
de uma sombra na cabeça.
O coração arrasa, esse perigo cúmplice
que pelo olhar nos prende
à vastidão do oiro, o rastro
de lua e mar no esplendor da viagem,
esse mistério que subtilmente magoa para sempre.
Há um feitiço
no teu perfil solar, conjura o espírito
para a intrepidez do resgaste, explica a sede, desvenda
o anjo na escuridão do fogo.
In "Arte do Regresso"
Editora Campo de Letras
Amadeu Baptista
(N. 1953)
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