CONVERSA FAMILIAR
Minha velha amiga, Desilusão,
Tinha-me esquecido que estavas aqui.
Perdoa-me. Tentando a desolação
Enganar, quase que fingi,
Perdoa, que tinhas ido embora.
Tu, amiga fiel, estás comigo agora!
Desespero, companheiro de velhos tempos,
Em ti também — embora não olvidado
— Numa espécie de pausa — por momentos
Terei talvez menos pensado.
Esquecer-te inteiramente não consigo.
Amigo, que estás aqui comigo!
E tu, velha companheira, Solidão,
De afecto e esperança carente,
Tu, minha gémea — não seria incorrecção
Se deixasse de parar ‘a tua frente
P’ra jogarmos com o medo e o cuidado?...
Por que vens, ó choro, deixar-me envergonhado?
Não quero mais isso, lágrimas não.
In “Poesia”
Edição e tradução de Luísa Freire
Assírio & Alvim - 1999
Alexander Search
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888 - 1935)
TEU LENÇO
O lenço que tu me deste
Trago – o sempre no meu seio,
Com medo que desconfiem
Donde este lenço me veio.
As letras que lá bordaste
São feitas do teu cabelo;
Por mais que o veja e reveja,
Nunca me farto de vê-lo.
De noite dorme comigo,
De dia trago – o no seio,
Com medo que os outro saibam
Donde este lenço me veio.
Alvo, da cor da açucena,
Tem um ramo em cada canto;
Os ramos dizem saudade,
Por isso lhe quero tanto.
O lenço que tu me deste
Tem dois corações no meio;
Só tu no mundo é que sabes
Donde este lenço veio.
Todo ele é de cambraia,
O lenço que me ofereceste;
Parece que inda estou vendo
A agulha com que o bordaste.
Para o ver até me fecho
No meu quarto com receio,
Não venha alguém perguntar-me
Donde este lenço me veio.
A cismar neste bordado
Não sei até no que penso;
Os olhos trago – os já gastos
De tanto olhar para o lenço.
Com receio de perdê-lo
Guardo – o sempre no meu seio,
De modo que ninguém saiba
Donde este lenço me veio.
Nas letras entrelaçadas
Vem o meu nome e o teu;
Bendito seja o teu nome
Que se enlaçou com o meu!
Por isso o trago escondido,
Bem guardado no meu seio,
Com medo que me perguntem
Donde este lenço me veio.
Quanto mais me ponho a vê – lo,
Mais este amor se renova;
No dia do meu enterro
Quero levá-lo p'ra cova.
Vem pô-lo sobre o meu peito,
Que eu hei-de tê-lo no seio;
Mas nunca digas ao mundo
Donde este lenço me veio.
In "Peninsulares" - 1876
José Simões Dias
(1844 – 1899)
A ETERNA AUSÊNCIA
Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais...
Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.
Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza...
Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!...
In "A Flor e a Noite" (1955)
António Salvado
(N. 1936)
O MEU AMIGO
Elle era um doido bom, um doido visionário
Que andava quasi sempre d’olhos rasos d’agua,
E, ás vezes, costumava a soluçar, com magua,
A lenda original d’um Fado extraordinário...
Entrava na taberna assim que anoitecia,
Bebia só absintho e nunca se fartava,
D’ahi, quem sabe lá se no absintho achava
Um meio de esquecer a dôr que o opprimia...
Amava a côr do lucto e odiava a côr do ouro.
E é certo que deixou – estranho typo aquelle! –
Poemas de nevrose em que só punha Chôro...
E eu, que desejo ser o que ninguém deseja,
Julguei-me, por ventura, um doido como elle...
Que um doido já eu sou, embora não no seja!
(mantem a grafia original)
In “Fel (97/98) ”
Empreza Litteraria Lisbonense
Libânio & Cunha Editores - 1898
José Duro
(1875 - 1899)
IDADE SEM RAZÃO
Os animais
cuja vivência
são as visitas
que todos temos feito
às girafas
ou o crocodilo
bastam para romper
a fascinação
idade
cartesiana
tanto
do direito
como do avesso
In "Actuação Escrita"
Editora & etc - 1980
Pedro Oom
(1926 - 1974)
COISAS DO AMOR
Se sentes o rosto corar
E o coração louco bater,
Se tens ânsia de estar
E imperativo de viver
- Isso, são coisas do amor.
Se na escuridão vês beleza
E captas o encanto
Do trinar do rouxinol,
Se te apaixonas tanto
No ocaso, como no nascer do sol
- Isso, são coisas do amor.
Se gostas de ver o regato
A deslizar em cascata
E branco cisne no lago
Por sob o luar de prata,
Se captas raios de luz
Na ramagem colorida,
Se a mensagem de Jesus
É fonte viva de vida
- Isso, são coisas do amor.
Se escutas a melodia
Que te rodeia, na natureza,
Se crês na profecia
De horóscopo ou da sina,
Se gostas de vela acesa
- Isso, são coisas do amor.
Amigo,
Escuta o que te digo:
Se não tiveres o que amas,
Ama, ao menos, o que tens.
Estóico, suporta a dor
De certas coisas do amor.
In “Coisas do Amor” - 1995
Florida Gráfica
João Coelho dos Santos
(N. 1939)
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