Terça-feira, 30 de Junho de 2015

Recordando... Ricardo Reis

NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA

 

Não só quem nos odeia ou nos inveja

Nos limita e oprime; quem nos ama

               Não menos nos limita.

Que os deuses me concedam que, despido

De afectos, tenha a fria liberdade

               Dos píncaros sem nada.

Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada

É livre; quem não tem, e não deseja,

               Homem, é igual aos deuses.

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses

 

Ricardo Reis/Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

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Quinta-feira, 25 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

SANGRA-ME O CORAÇÃO

 

Sangra-me o coração. Tudo que penso

A emoção mo tomou. Sofro esta mágoa

Que é o mundo imoral, regrado e imenso,

No qual o bem é só como um incenso

Que cerca a vida, como a terra a água.

 

Todos os dias, oiça ou veja, dão

Misérias, males, injustiças — quanto

Pode afligir o estéril coração.

E todo anseio pelo bem é vão,

E a vontade tão vã como é o pranto.

 

Que Deus duplo nos pôs na alma sensível

Ao mesmo tempo os dons de conhecer

Que o mal é a norma, o natural possível,

E de querer o bem, inútil nível,

Que nunca assenta regular no ser?

 

Com que fria esquadria e vão compasso

Que invisível Geómetra regrou

As marés deste mar de mau sargaço —

O mundo fluido, com seu tempo e ‘spaço,

Que ele mesmo não sabe quem criou?

 

Mas, seja como for, nesta descida

De Deus ao ser, o mal teve alma e azo;

E o Bem, justiça espiritual da vida,

É perdida palavra, substituída

Por bens obscuros, fórmulas do acaso.

 

Que plano extinto, antes de conseguido,

Ficou só mundo, norma e desmazelo?

Mundo imperfeito, porque foi erguido?

Como acabá-lo, templo inconcluído,

Se nos falta o segredo com que erguê-lo?

 

O mundo é Deus que é morto, e a alma aquele

Que, esse Deus exumado, reflectiu

A morte e a exumação que houveram dele.

Mas ‘stá perdido o selo com que sele

Seu pacto com o vivo que caiu.

 

Por isso, em sombra e natural desgraça,

Tem que buscar aquilo que perdeu —

Não ela, mas a morte que a repassa,

E vem achar no Verbo a fé e a graça —

A nova vida do que já morreu.

 

Porque o Verbo é quem Deus era primeiro,

Antes que a morte, que o tornou o mundo,

Corrompesse de mal o mundo inteiro:

E assim no Verbo, que é o Deus terceiro,

A alma volve ao Bem que é o seu fundo.

 

26-4-1934

 

In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa”

Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith

Assírio & Alvim - 1ª edição Abril.2014

 

Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

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Sexta-feira, 19 de Junho de 2015

Recordando... Alberto Caeiro

É NOITE. A NOITE É MUITO ESCURA.

 

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância

Brilha a luz duma janela.

Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.

É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,

Atrai-me só por essa luz vista de longe.

Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

 

Mas agora só me importa a luz da janela dele.

Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,

A luz é a realidade imediata para mim.

Eu nunca passo para além da realidade imediata.

Para além da realidade imediata não há nada.

Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,

Em relação à distância onde estou há só aquela luz.

O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.

Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.

A luz apagou-se.

Que me importa que o homem continue a existir?

 

8-11-1915

 

Poemas Inconjuntos

 

In "Poemas de Alberto Caeiro"

Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões

e Luiz de Montalvor

Editora Ática – 1993 - 10ª edição

 

Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

(1888 – 1935)

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Sábado, 13 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

ANÁLISE

 

Tão abstracta é a ideia do teu ser

Que me vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,

E nada fica em meu olhar, e dista

O teu corpo do meu ver tão longemente,

E a ideia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

            Do sonho e pouco da vida.

12-1911

 

In “Obra Poética e em Prosa” - Vol. I - Fernando Pessoa

(Introd., org., biobibliografia e notas de António Quadros

e Dalila Pereira da Costa)

Lello - 1986

 

Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

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Domingo, 7 de Junho de 2015

Recordando... Álvaro Campos

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDICULAS

 

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

 

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

 

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

 

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

 

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

 

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

 

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)

 

Poesias de Álvaro Campos

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses - Editora Ulisses

 

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

(1888 – 1935)

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Segunda-feira, 1 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

SOSSEGA CORAÇÃO!

 

Sossega, coração! Não desesperes!

Talvez um dia, para além dos dias,

Encontres o que queres porque o queres.

Então, livre de falsas nostalgias,

Atingirás a perfeição de seres.

 

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!

Como quem passa a mão pelo cabelo

E em si mesmo se sente diferente,

Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

 

Sossega, coração, contudo! Dorme!

O sossego não quer razão nem causa.

Quer só a noite plácida e enorme,

A grande, universal, solente pausa

Antes que tudo em tudo se transforme.

 

2 - 8 - 1933

 

In “Poesia 1931-1935 e não datada”

Ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine

Assírio & Alvim - 2006

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

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