Quinta-feira, 30 de Abril de 2015

Recordando... Manuel António Pina

TODAS AS PALAVRAS

 

As que procurei em vão,

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou desistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

e as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo

e se foram levando o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias

as minhas últimas palavras.

 

In “Poesia Reunida”

Assírio & Alvim

 

Manuel António Pina

(1943–2012)

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Sábado, 25 de Abril de 2015

Recordando... António Feijó

O AMOR E O TEMPO

 

Pela montanha alcantilada

Todos quatro em alegre companhia,

O Amor, o Tempo, a minha Amada

E eu subíamos um dia.

 

Da minha Amada no gentil semblante

Já se viam indícios de cansaço;

O Amor passava-nos adiante

E o Tempo acelerava o passo.

 

— «Amor! Amor! mais devagar!

Não corras tanto assim, que tão ligeira

Não corras tanto assim, que tão ligeira

Não pode com certeza caminhar

A minha doce companheira!»

 

— Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,

Abrem as asas trémulas ao vento...

— «Por que voais assim tão apressados?

Onde vos dirigis?» — Nesse momento.

 

Volta-se o Amor e diz com azedume:

— «Tende paciência, amigos meus!

Eu sempre tive este costume

De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!»

 

In “Sol de Inverno seguido de Vinte Poesias Inéditas”,

Introd., bibliog. e notas de Álvaro Manuel Machado

INCM - Imprensa Nacional

 

António Feijó

(1859-1917)

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Domingo, 19 de Abril de 2015

Recordando... Manuel da Fonseca

DONA ABASTANÇA

 

«A caridade é amor»

Proclama dona Abastança

Esposa do comendador

Senhor da alta finança.

 

Família necessitada

A boa senhora acode

Pouco a uns a outros nada

«Dar a todos não se pode.»

 

Já se deixa ver

Que não pode ser

Quem

O que tem

Dá a pedir vem.

 

O bem da bolsa lhes sai

E sai caro fazer o bem

Ela dá ele subtrai

Fazem como lhes convém

Ela aos pobres dá uns cobres

Ele incansável lá vai

Com o que tira a quem não tem

Fazendo mais e mais pobres.

 

Já se deixa ver

Que não pode ser

Dar

Sem ter

E ter sem tirar.

 

Todo o que milhões furtou

Sempre ao bem-fazer foi dado

Pouco custa a quem roubou

Dar pouco a quem foi roubado.

 

Oh engano sempre novo

De tão estranha caridade

Feita com dinheiro do povo

Ao povo desta cidade.

 

Poemas para Adriano

 

In "Poemas Completos"

Editora Caminho

 

Manuel da Fonseca

(1911-1993)

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Segunda-feira, 13 de Abril de 2015

Recordando... Mário de Sá-Carneiro

COMO EU NÃO POSSUO

 

Olho em volta de mim. Todos possuem —

Um afecto, um sorriso ou um abraço.

Só para mim as ânsias se diluem

E não possuo mesmo quando enlaço.

 

Roça por mim, em longe, a teoria

Dos espasmos golfados ruivamente;

São êxtases da cor que eu fremiria,

Mas a minh’alma pára e não os sente!

 

Quero sentir. Não sei… perco-me todo…

Não posso afeiçoar-me nem ser eu:

Falta-me egoísmo para ascender ao céu,

Falta-me unção pra me afundar no lodo.

 

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser

Forçoso me era antes possuir

Quem eu estimasse — ou homem ou mulher,

E eu não logro nunca possuir!…

 

Castrado de alma e sem saber fixar-me,

Tarde a tarde na minha dor me afundo…

Serei um emigrado doutro mundo

Que nem na minha dor posso encontrar-me?…

 

Como eu desejo a que ali vai na rua,

Tão ágil, tão agreste, tão de amor…

Como eu quisera emaranhá-la nua,

Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!…

 

Desejo errado… Se a tivera um dia,

Toda sem véus, a carne estilizada

Sob o meu corpo arfando transbordada,

Nem mesmo assim — ó ânsia! — eu a teria…

 

Eu vibraria só agonizante

Sobre o seu corpo de êxtases doirados,

Se fosse aqueles seios transtornados,

Se fosse aquele sexo aglutinante…

 

De embate ao meu amor todo me ruo,

E vejo-me em destroço até vencendo:

É que eu teria só, sentindo e sendo

Aquilo que estrebucho e não possuo.

 

in “Dispersão”

Editorial Presença

 

Mário de Sá-Carneiro

(1890-1916)

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Terça-feira, 7 de Abril de 2015

Recordando... Jorge de Sena

AMO-TE MUITO, MEU AMOR

 

Amo-te muito, meu amor, e tanto

que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda

depois de ter-te, meu amor. Não finda

com o próprio amor o amor do teu encanto.

 

Que encanto é o teu? Se continua enquanto

sofro a traição dos que, viscosos, prendem,

por uma paz da guerra a que se vendem,

a pura liberdade do meu canto,

 

um cântico da terra e do seu povo,

nesta invenção da humanidade inteira

que a cada instante há que inventar de novo,

 

tão quase é coisa ou sucessão que passa...

Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,

sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

 

!n “Poesia vol. I e II”

Edições 70 - Lisboa - 1988

 

Jorge de Sena

(1919 -1978)

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Quarta-feira, 1 de Abril de 2015

Recordando... Carlos Queiroz

CANÇÃO GRATA

 

Por tudo o que me deste: — Inquietação, cuidado,

(Um pouco de ternura? E certo, mas tão pouco!)

Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...

– Obrigado , obrigado!

 

Por aquela tão doce e tão breve ilusão.

(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,

Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita

A minha gratidão!

 

Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!

— Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...

Sem ironia, amor: — Obrigado, obrigado

Por tudo o que me deste!

 

In “Poemas de Amor – Antologia de Poesia Portuguesa”

Org. e prefácio Inês Pedrosa

Publicações Dom Quixote

 

Carlos Queiroz

(1907-1949)

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