Domingo, 31 de Março de 2013

Recordando... Isabel Gouveia

CULPABILIDADE

 

O que é o perdão?

 

Vivi na esperança

de o ter entre os dedos.

Quem diz que o alcança

só vive de enredos...

 

Fiz mal? Mas a quem?

Que venham contar-me

as mágoas geradas

por meu vil desdém

e as feridas mostrar-me

na carne rasgadas.

 

Fiz mal? Mas a quem?

Fui pedra lançada

no vosso caminho?

Barrei-vos a estrada

com traves de pinho?

 

Só sei que

 

há vozes gritando

a culpa que sinto

pesar-me na alma,

há ecos cavando

a dor que pressinto

em noites de calma...

 

Só sei que

suspensos enredos

da minha agonia,

urdida ao serão

em grande segredo,

tornaram vazia

a minha intuição.

 

Fiz mal? Sim ou não?

Onde e quando?

Dizei-mo, dizei-mo!

 

Eu sou como a rocha

virada prò norte,

que acolhe a rajada

em concha bem forte

e a atira prò nada...

 

Fiz mal? Sim ou não?

Até os duendes,

escondidos e aduncos,

me negam razão.

 

O que é que vós tendes?

Tremeis como os juncos

nas bordas do rio.

Escondeis-vos de mim,

do meu poderio?

 

Do meu poderio!

Ah! Ah! Ah!

Tesouros saídos

de cofre guardado

em cave nojenta,

demónios roídos

de querer aturado

em bolsa sangrenta?

 

Fiz mal? Mas a quem?

Àqueles que ainda

não viram a luz

das coisas imundas?

De ideias fecundas

fiz braços em cruz?

 

A treva gerada

em dúvida vã

que cobre a minha alma

andou apressada;

a todos levou

a ânsia e a calma

em Deus embarcou?

 

Fiz mal? Como e onde?

E quando? E quando?

 

In "Os Sete Dias Passados"

Coimbra Editora – 1965

 

Isabel Gouveia **

N. 1930

 

 ** Nome literário de Isabel Pereira Mendes

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 25 de Março de 2013

Recordando... Orlando Neves

OUTRA MADRUGADA

 

Outra madrugada, outra palavra, outras águas

que, ora violentas, ora serenas, ora

sedentas, como inconstantes graves amantes

descem aos olhos de Laura a violá-los, outros

 

silêncios, outros lumes, outros medos que ora

glaciais, ora cálidos, ora instáveis,

entre ruínas, delírios e desafios

lançam sobre os olhos a ténue gaze

 

que os vai delindo e a escurecê-los ousam,

sufocando-lhes, impiedosa, a amplidão

do verde no plaino áspero do tempo, somente os

 

mudarão em vasos de ouro eterno, acendendo

em Francesco outra maresia, nova seiva,

nova lira, outra ceifa, outra rosa do dia.

 

 

In “Nocturnidade”

Campo das Letras – 1999

 

Orlando Neves

1935 – 2005

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Terça-feira, 19 de Março de 2013

Recordando... António Luís Moita

EXÍLIO

 

Moramos a milhões de versos-luz
da mais próxima estrela. Que buscamos
na carne provisória que nos damos
senão este pavor dos ossos nus?

Entre rápidas rosas que anoitecem
e pássaros que tombam e navios
que em vão lançam as âncoras nos rios
e vão morrer no mar a que pertencem,
erguemos pontes, deuses, mitos, casas,
um verso que nem perto se decora.

– Quem nos deu sonho e asas
calou-se. Foi-se embora.

 

 

In “Cidade Sem Tempo”

Edição  do Autor – 1985 

 

António Luís Moita

N. 1925

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Quarta-feira, 13 de Março de 2013

Recordando... João de Deus

ESTRELA

 

Estrela que me nasceste

quando a vista mal te alcança

nessa abóbada celeste,

onde a nossa alma descansa

a sua última esperança...

Estrela que me nasceste

quando a vista mal te alcança!

 

Antes nascesses mais cedo,

estrela da madrugada,

e não já noite cerrada...

Que até no céu mete medo

voa essa estrela isolada...

Antes nascesses mais cedo,

estrela da madrugada!

 

 

Flores do Campo

 

In “Campo de Flores”

Poesia Líricas Completas

Coordenado por Teófilo Braga

Livraria Bertrand

 

João de Deus

1830 – 1896

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 7 de Março de 2013

Recordando... Antero de Quental

O PALÁCIO DA VENTURA

 

Sonho que sou um cavaleiro andante.

Por desertos, por sóis, por noite escura,

Paladino do amor, busca anelante

O palácio encantado da Ventura!

 

Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura...

E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formosura!

 

Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

 

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...

Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão - e nada mais!    

 

 

In “Sonetos Completos”

Prefácio de Oliveira Martins

Publicações Anagrama. Lda.

 

Antero de Quental

1842 - 1891

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 1 de Março de 2013

Recordando... Castro Reis

IMAGEM DE TRÁS-OS-MONTES

 

Tua imagem, Trás-os-Montes,

– Painel de encanto e beleza:

É lindo altar de horizontes

Onde Deus tem sua mesa!

 

És formosa Região

Por muitos desconhecida!

Mas que vivem do teu pão

– Que é teu suor, sangue e vida!

 

Desde o Barroso ao Marão,

Vila Real a Bragança:

São terras de amargo pão

Onde não chega a mudança!

 

No teu espaço bendito

Há negros véus de tristeza!

Teus colossos de granito

São grito da Natureza!

 

Ergues a voz, como lança,

Num sonho sem dimensão!

Teu povo perdeu a esp’rança

Do sol da libertação!…

 

Continuas, tristemente,

Preso aos grilhões do passado!…

Tão escrava é tua gente

Que vive e morre a teu lado!…

 

Não tens praias nem tens mar

Como certa gente teima:

– Mas tens o sol da montanha

Que também bronzeia e queima!

 

Tens barragens e tens minas

Que te elevam às alturas!…

Tu, que o País iluminas

– Quase vives às escuras!…

 

Alto Douro e Trás-os-Montes

Pelos seus dons naturais…

São maravilhosas fontes

De riquezas nacionais!…

 

Trás-os-Montes, doce apego

Tem por ti meu coração!

Tu és, na paz e sossego:

– Catedral de Solidão!

 

Reino de Montes e serras,

De giestas e fragal!…

Tu és, com teu rol de terras:

Cabeça de Portugal!

 

 

Belver – Carrazeda de Ansiães

Agosto de 1981

 

In “O Grito das Fragas” – Julho 1983

Edição do Grupo de Acção Recreativa

e  Cultural Semente Nova (GARC)

 

Castro Reis

1918 – 2007

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds