Terça-feira, 31 de Julho de 2012

Recordando... Manuela Amaral

SE TU VIESSES AGORA

 

Se tu viesses agora,

 

Se entrasses àquela porta

e te viesses sentar

mesmo defronte de mim

nesta cadeira vazia

ocupada de silêncio,

 

E me dissesses bom dia

boa tarde

ou boa noite

(qualquer coisa aconchegada

a anunciar o regresso),

 

e me sorrisses depois

num compromisso ternura,

 

Se o gesto da tua mão

recaísse no meu ombro

a atenuar a distância

entre mim e a tua ausência,

 

Se me desses a entender

que o erro das nossas vidas

não foi acto consumado

e que nada chega ao fim

sem que seja ultrapassado

pelo querer da decisão,

 

Se tudo isto acontecesse,

 

Se por milagre

ou loucura

eu agarrasse a lonjura

e te fizesse mais perto,

 

com certeza que morria

ou renascia contigo

nesse preciso momento.

 

 

In "Tempo de Passagem"

Editora Fora do Texto – Coimbra – 1991

 

Manuela Amaral

1934 – 1995 

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Quarta-feira, 25 de Julho de 2012

Recordando... António Aleixo

QUADRAS II

 

Peço às altas competências

Perdão, porque mal sei ler,

P'ra aquelas deficiências

Que os meus versos possam ter.

………………………….

Quando não tenhas à mão

Outro livro mais distinto,

Lê estes versos que são

Filhos das mágoas que sinto.

………………………….

Julgam-me mal sabedor;

E é tão grande o meu saber

Que desconheço o valor

Das quadras que sei fazer!

………………………….

Compreendo que envelheci

E que já daqui não passo,

Como não passam daqui

As pobres quadras que faço.

………………………….

Tal qual me sucede a mim;

Sem ter vulto, sem ter voz,

Vive qualquer coisa em nós

Que manda fazer assim.

………………………….

Vai-se uma luz, outra existe,

Nova aurora nos seduz;

Deve ser muito mais triste

A gente deixar a luz.

………………………….

Se pedir, peço cantando,

Sou mais atendido assim;

Porque, se pedir chorando,

Ninguém tem pena de mim.

…………………………..

Meu aspecto te enganou;

O que a gente é não se vê;

Pergunta a outrem quem sou,

Pois o que sou nem eu sei.

………………………….

Quem me vê dirá: não presta,

Nem mesmo quando lhe fale,

Porque ninguém traz na testa

O selo de quanto vale

………………………….

 

In “Este Livro Que Vos Deixo…”

Volume I – Editorial Notícias

 

António Aleixo

1899 – 1949 

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Quinta-feira, 19 de Julho de 2012

Recordando... Luiza Neto Jorge

MINIBIOGRAFIA

 

Não me quero com o tempo nem com a moda

Olho como um deus para tudo de alto

Mas zás! do motor corpo o mau ressalto

Me faz a todo o passo errar a coda.

 

Porque envelheço, adoeço, esqueço

Quanto a vida é gesto e amor é foda;

Diferente me concebo e só do avesso

O formato mulher se me acomoda.

 

E se a nave vier do fundo espaço

Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:

Logo me leve, subirei sem medo

À cena do mais árduo e do mais escasso.

 

Um poema deixo, ao retardador:

Meia palavra a bom entendedor.

 

 

In "Poesia"

Organização e prefácio de Fernando Cabral Martins

Assírio & Alvim – 2001

 

Luiza Neto Jorge

1939 – 1989

 

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Sexta-feira, 13 de Julho de 2012

Recordando... Mário-Henrique Leiria

ORIGEM DOS SONHOS ESQUECIDOS

 

Entre a bicicleta e a laranja

vai a distância de uma camisa branca

 

Entre o pássaro e a bandeira

vai a distância dum relógio solar

 

Entre a janela e o canto do lobo

vai a distância dum lago desesperado

 

Entre mim e a bola de bilhar

vai a distância dum sexo fulgurante

 

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade

pode ser a distância

entre os teus braços fechados em si mesmos

e a noite encontrada para além do grito das panteras

 

qualquer grito de pantera

pode ser a distância

entre os teus passos

e o caminho em que eles se desfazem lentamente

 

Qualquer caminho

pode ser a distância

entre tu e eu

 

Qualquer distância

entre tu e eu

é a única e magnífica existência

do nosso amor que se devora sorrindo

 

 

In “A Única Real Tradição Viva”

Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

Assírio & Alvim

 

Mário-Henrique Leiria

1923 – 1980

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Sábado, 7 de Julho de 2012

Recordando... Maria Teresa Horta

EGOÍSMO

 

Que me importa

amor

que seja dia

ou que seja noite iluminada

 

Que me importa

amor

que seja a chuva

ou um novelo de paz a madrugada

 

Que me importa

amor

que seja o vento

ou a flor o fogo mais aceso

 

Que me importa

amor

que seja a raiva

 

Que me importa

amor

que seja o medo

 

 

In “Minha Senhora de Mim”

Editorial Futura – 1974

 

Maria Teresa Horta

N. 1937

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Domingo, 1 de Julho de 2012

Recordando... José Simões Dias

A TUA ROCA

 

Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada.

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca segredos.

Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!

Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!

E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lencinho verde
Que trazes no penteado?

Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!

É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!

Eu já sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!

Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!

Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira.

Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga
E ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,

Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!


O Mundo Interior

 

In "Peninsulares"

 

José Simões Dias

1844 – 1899

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