Quarta-feira, 31 de Agosto de 2011

Redordando... Fiama Hasse Pais Brandão

POEMA PARA A PADEIRA QUE ESTAVA

A FAZER PÃO ENQUANTO SE TRAVAVA

A BATALHA DE ALJUBARROTA

 

Está sobre a mesa e repousa

o pão

como uma arma de amor

em repouso

 

As armas guardam no campo

todo o campo

Já os mortos não aguardam

e repousam

 

Dentro de casa ela aguarda

abrir o forno

Ela em mão que prepara

o amor

 

Pelos campos todos armas

não repousam

mais os mortos

ter amor

 

Sobre a mesa põe as mãos

pôs o pão

Fora de casa o rumor

sem repouso

 

Ela agora abre o fogo

para o pão

em repouso ela ouve os mortos

lá de fora

 

Lá de fora entram armas

os homens

As mãos dela não repousam

acolhem

 

Sobre a mesa pôs o pão

arma de paz

Contra as armas da batalha

arma de mão

 

Contra a batalha das armas

não repousa

Caem contra a mesa os mortos

contra o forno

 

Outra paz não defende ela

que a do pão

Defende a paz que é da casa

e das mãos

 

 

In “Barcas Novas”

Editora Ulisseia

 

Fiama Hasse Pais Brandão

1938 – 2007

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quinta-feira, 25 de Agosto de 2011

Recordando... Irene Lisboa

AFRODITE

Formosa.  
Esses peitos pequenos, cheios. 
Esse ventre, o seu redondo espraiado! 
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido 
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado, 
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo, 
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha 
cariciosa do ombro... 
Afrodite, não chorei quando te descobri? 
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia 
e de Roma! 
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de 
frontes tranquilas, abstractas... 
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necrópole. 
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divagadores,

ente si trocando serenas, eternas e nunca 
desprezadas razões formais.

Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo... 
O descanso desse teu gesto! 
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo. 
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre. 
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão

provocante de pudor, de volúpia, de reserva, de 
abandono... 
Já passaram sobre ti dois mil anos?

Estranha obra de um homem! 
Que doçura espalhas e que grandeza... 
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo. 
Não és mística, não exacerbas, não angústias. 
Geras o sonho do amor.

Praxíteles. 
Como pudeste criar Afrodite? 
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de 
a vencer, gozar! 
Tinha de assim ser. 
Eternizaste-a! 
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne...


In “Outono Havias de Vir” – 1937

Obras de Irene Lisboa – Vol. I

Editorial Presença

Irene Lisboa

1892 – 1958

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 19 de Agosto de 2011

Recordando... António Nobre

MENINO E MOÇO

 

Tombou da haste a flor da minha infância alada.
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos Céus a pomba enamorada
Que dantes estendia as asas sobre mim.

 

Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa visão de luar que vivia encantada,
Num castelo de prata embutido a marfim!

 

Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
Que me enchiam de Lua o coração, outrora,
Partiram e no Céu evolam-se, a distância!

 

Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais:
Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora,
Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais...

 

Leça, 1885

 

In “SÓ”

Estante Editora

 

António Nobre

1867 – 1900

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Sábado, 13 de Agosto de 2011

Recordando... António Sardinha

DEUS NA PLANÍCIE

 

O espírito de Deus flutua e erra

por todo este côncavo profundo.

Assim errava Ele sobre a terra

quando pensou na criação do Mundo.

 

É noite. Aqui não há mar nem serra.

Há o infinito, o vago. E cá no fundo

minh'alma que se excede e que se aterra,

ó Hálito-Supremo em que eu me inundo!

 

Ó Hálito-Supremo!... É noite escura.

E o Criador no enlevo em que eu me alago

domina e empolga a Sua criatura.

 

Sucumbe em mim o bicho vil da terra

E como no Princípio sobre o vago

O Espírito de Deus flutua e erra.

 

 

In “Epopeia da Planície” – 1915

 

António Sardinha

1887 – 1925

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Domingo, 7 de Agosto de 2011

Recordando... Sophia de Mello Breyner Andresen

PÁTRIA

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

– Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.


In “Livro Sexto”

Editorial Caminho

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

1919 – 2004

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Segunda-feira, 1 de Agosto de 2011

Recordando... Alexandre Herculano

MOCIDADE E MORTE


Solevantado o corpo, os olhos fitos,
As magras mãos cruzadas sobre o peito,
Vede-o, tão moço, velador de angústias,
Pela alta noite em solitário leito.

Por essas faces pálidas, cavadas,
Olhai, em fio as lágrimas deslizam;
E com o pulso, que apressado bate,
Do coração os éstos harmonizam.

Ë que nas veias lhe circula a febre:
É que a fronte lhe alaga o suor frio;
É que lá dentro à dor, que o vai roendo,
Responde horrível íntimo cicio.

Encostando na mão o rosto aceso,
Fitou os olhos húmidos de pranto
Na lâmpada mortal ali pendente,
E lá consigo modulou um canto.

É um hino de amor e de esperança?
É oração de angústia e de saudade?
Resignado na dor, saúda a morte,
Ou vibra aos céus blasfémia d'impiedade?

É isso tudo, tumultuando incerto
No delírio febril daquela mente,
Que, balouçada à borda do sepulcro,
Volve após si a vista longamente.

É a poesia a murmurar-lhe na alma
Última nota de quebrada lira;
É o gemido do tombar do cedro;
É triste adeus do trovador que expira.

 

 

In “A Harpa do Crente”

 

Alexandre Herculano

1810 – 1877

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds