Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009

Recordando... D. Francisco Manuel de Melo... Poeta do Séc. XVII

ESCUSA-SE AO CÉU COM A CAUSA

                 DO SEU DELÍRIO

 

Pois se para os amares não foram feitos,

Senhor, aqueles olhos soberanos,

Porque, por tantos modos, mais que humanos,

Pintando os estivestes tão perfeitos?

 

Se tais palavras e se tais conceitos,

Tão divinas, tão longe de profanos

Não destes por oráculo aos enganos,

Com que Amor vive nos mais altos peitos,

 

Porque, Senhor, tanta beleza junta,

Tanta graça e tal ser lhe foi deitado,

Qual ídolo nenhum gozara antigo?

 

Mas como respondeis a esta pergunta?

Que ou para desculpar o meu pecado,

Ou para eternizar o meu castigo?

 

 

(Obras Métricas)

 

In “Breve Antologia Poética do Período Barroco”

Colecção Brevíssima

Liv. Civilização Editora e Contexto Editora

 

D. Francisco Manuel de Melo

1608 – 1666

 

 

 

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 24 de Outubro de 2009

Recordando... Garcia Monteiro... Poeta do Séc. XIX

TALENTO BUROCRÁTICO

Palavra que o Eusébio é um rapaz astuto;
não é um imbecil, como há alguém que o pense.
Tinha um ar de quem anda em busca do Absoluto
e andava era a cismar na manga do amanuense.

Mal vagou o lugar foram dez cães a um osso,
e ele é que o abocou. Ora o comendador
(o tal que usa um grilhão pendente do pescoço)
influiu; mas o Eusébio inda operou melhor.

Foi aberto concurso, a bem da velha prática;
e o Eusébio (por si, sem ter quem o guiasse)
Fez no requerimento onze erros de gramática –
sete de ortografia e quatro de sintaxe.

Assim li num jornal. Os outros concorrentes,
sem um erro sequer, estavam muito abaixo:
o Eusébio apresentou asneiras convenientes
e foi ele, bem visto, o que alcançou despacho.

Ei-lo pois amanuense. Agora vai casar-se.
Comprou já chapéu alto e um valioso anel.
O pai gaba-o e diz: «É pena não formar-se!
Fazia-se dali um rico bacharel.»

É um moço prendado e é justo o seu alarde;
e então (e ele é que o diz) não tem sequer um vício...
Não há quem puxe um D como ele no Deus Guarde,
nem quem faça também mais erros num ofício.

Em contas, nem falar; é mesmo prodigioso;
não conheço ninguém mais forte na tabuada:
aquilo é segurinho, exacto, escrupuloso...
três vezes três são seis; dez, noves fora, nada.

Em suma, é um zeloso, um óptimo empregado.
Foi acertada a escolha; e só me desconsola
que ele não possa ser mais bem utilizado.
Que pena! Uma aptidão que dava um mestre-escola.

 

 

(Boston)

 

In “Rimas de Ironia Alegre”

Colecção Brevíssima – Maio de 1997

Liv. Civilização Editora e Contexto Editora

 

Garcia Monteiro

1859 – 1913

 

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Terça-feira, 20 de Outubro de 2009

Recordando... Manuel Maria de Barbosa du Bocage... Poeta do Séc. XVIII

MAGRO, DE OLHOS AZUIS...


Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão n’altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;


Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais, letal veneno;


Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;


Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

 

In "Clássicos Portugueses – Trechos Escolhidos – Bocage – Sonetos"

Liv. Clássica Editora – Lisboa – 1943

 

Manuel Maria de Barbosa du Bocage

1765 – 1805 

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009

Recordando... António Ferreira... Poeta do Séc. XVI

AQUELE CLARO SOL

 

Aquele claro Sol, que me mostrava

O caminho do Céu mais chão, mais certo,

E com o seu novo raio ao longe e ao perto

Toda a sombra mortal me afugentava.

 

Deixa a prisão triste, em que cá estava

Eu fiquei cego e só, com passo incerto,

Perdido peregrino no deserto,

A que faltou a guia, que o levava.

 

Assim co’ espírito triste, o juízo escuro,

Suas santas pisadas vou buscando

Por vales e por campos e por montes.

 

Em toda a parte a vejo e a figuro

Ela me toma a mão, e me vai guiando

E meus olhos a seguem, feitos fontes.

 

 

In “Poemas Lusitanos” – 1598

Mandado publicar por seu filho, Miguel Leite Ferreira

 

António Ferreira

1528 – 1569

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 12 de Outubro de 2009

Recordando... Camilo Pessanha... Poeta do Séc. XIX

VIDA

 

Choveu! E logo da terra humosa

Irrompe o campo das liliáceas.

Foi bem fecunda, a estação pluviosa!

Que vigor no campo das liliáceas!

 

Calquem. Recalquem, não o afogam.

Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.

Não as extinguem. Porque as degradam?

Para que as calcam? Não as afogam.

 

Olhem o fogo que anda na serra.

É a queimada... Que lumaréu!

Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,

Que não apagam o lumaréu.

 

Deixem! Não calquem! Deixem arder.

Se aqui o pisam, rebenta além.

- E se arde tudo? - Isso que tem?

Deitam-lhe fogo, é para arder...

 

 

In “Clepsidra”

Colecção: Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses

Editorial Verbo

 

 

Camilo Pessanha

1867 – 1926

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Quinta-feira, 8 de Outubro de 2009

Recordando... Francisco Sá de Miranda... Poeta do Séc. XVI

DESARREZOADO AMOR, DENTRO EM MEU PEITO

 

Desarrezoado amor, dentro em meu peito
Tem guerra com a razão, amor que jaz
E já de muitos dias, manda e faz
Tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,
Tudo soberba e força, faz, desfaz,
Sem respeito nenhum, e quando em paz
Cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte a razão tempos espia,
Espia ocasiões de tarde em tarde,
Que ajunta o tempo: enfim vem o seu dia.

Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
Nem dos seus. Que farei quando tudo arde?


In “Sá de Miranda – Poesias Escolhidas”

Editorial Verbo

 

Francisco Sá de Miranda

1481 – 1558

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Domingo, 4 de Outubro de 2009

Recordando... Antonio Joaquim de Mesquita e Mello... Poeta do Séc. XIX

PROSEGUI, LUSITANOS VALOROSOS

 

Prosegui, Lusitanos valorosos,

No que, jurado haveis, feliz systema;

Não vos importe o impio que blasfema

Contra os vossos esforços generosos.

 

De torpes inimigos cavilosos

Lançai aos pulsos vis eterna algema:

De modo, em fim, que a tyrannia trema

De urdir-vos novos laços vergonhosos.

 

Ávante em vosso férvido denodo;

Esse monstro de peste e de horror tanto

Acabai de sumir no estigio lôdo.

 

No amor da Liberdade sacrosanto

Mostrai uma constancia ao mundo todo,

Que pelo mundo todo faça espanto.

 

 

Soneto VIII

(Sonetos, recitados no Real Theatro de S. João – Porto)

 

 

In “Collecção de Poesias Reimpressas e Ineditas”

Tomo I – 1860

Typ. Sebastião José Pereira – Porto

 

Antonio Joaquim de Mesquita e Mello

1792 – 1884

 

Nota – Grafia Original

 

 

sinto-me: Radiante Sempre...
publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds