Sábado, 28 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... Gomes Leal

AS ALDEIAS

 

Eu gosto das aldeias sossegadas,

com o seu aspecto calmo e pastoril,

erguidas nas colinas azuladas,

mais frescas que as manhãs finas de Abril.

 

Pelas tardes das eiras, como eu gosto

de sentir a sua vida activa e sã!

Vê-las na luz dolente do sol-posto,

e nas suaves tintas da manhã!...

 

As crianças do campo, ao amoroso

calor do dia, folgam seminuas,

e exala-se um sabor misterioso

de agreste solidão das suas ruas.

 

Alegram as paisagens as crianças

mais cheias de murmúrios do que um ninho:

e elevam-nos às coisas simples, mansas,

ao fundo, as brancas velas dum moinho.

 

Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos

zunirem nas suas notas sibilantes...

E mistura-se o uivar dos cães distantes

com o cântico metálico dos galos.

 

 

In "Claridades do Sul"

 

Gomes Leal

1848 – 1921

 

 

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Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... Irene Lisboa

JEITO DE ESCREVER

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto – o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno
luto das horas. Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do
nem, do nada, da ausência e solidão.

Da indiferença.
Quero eu que o seja! Da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.

 

 

In “Líricas Portuguesas”

Portugália Editora

 

Irene Lisboa

1892 – 1958

 

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Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... António Correia de Oliveira

O PERFUME

 

O que sou eu? – O Perfume,

Dizem os homens. – Serei.

Mas o que sou nem eu sei...

Sou uma sombra de lume!

 

Rasgo a aragem como um gume

De espada: Subi. Voei.

Onde passava, deixei

A essência que me resume.

 

Liberdade, eu me cativo:

Numa renda, um nada, eu vivo

Vida de Sonho e Verdade!

 

Passam os dias, e em vão!

– Eu sou a Recordação;

Sou mais, ainda: a Saudade.

 

In “Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade”

Editora Terramr – 2002

 

António Correia de Oliveira

1878 – 1960

 

 

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Segunda-feira, 16 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... Garcia Monteiro

UM MODO DE VER

Ela entrou, a sorrir, brejeira, com mistério,
Chegou ao pé da filha e disse-lhe ao ouvido:
«Parabéns! Arranjei-te um óptimo marido.»
A pequena espantou-se. «O Santos Desidério!»

Este Santos viajou pelo Celeste Império.
Tem seus contos de réis; mas vive aborrecido
Por ser imberbe e calvo. «O caso é divertido!»
Exclamou a pequena. E a mãe: «O caso é sério!»

E pôs-se a enumerar as boas qualidades,
O rendimento, o luxo, as ricas propriedades,
E a traça das mamãs, «morrendo por obtê-lo.»

A filha ouviu; e então, com modo sobranceiro,
Apenas observou que aquele cavalheiro
Era rico de bens - mas pobre de cabelo.

Horta

 

In “Rimas de Ironia Alegre”

 

Garcia Monteiro

1859 – 1913  

 

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Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... João Penha

MULHER, VEJO-TE NUA, EMBORA ESCONDAS

 

Mulher, vejo-te nua, embora escondas,

Sob as tintas de cândida tristeza,

As máculas da sórdida impureza,

A lepra vil das saturnais hediondas.

 

E contudo, enganando-me, ainda sondas

O mar largo da minha singeleza:

Supões-me, como o doge de Veneza,

Esposo fácil de corruptas ondas!

 

Não chores a meus pés esmorecida;

Lá mais tarde, nos palcos da cidade,

Farás de Madalena arrependida.

 

No vício pode haver honestidade:

Deixa-me em paz nas sombras desta vida,

Não me afrontes na minha soledade.

 

 

Vinho e Fel

 

In “Rimas”

Estante Editora – Dezembro.1990

 

João Penha

1838 – 1919

 

 

 

 

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Domingo, 8 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... Cesário Verde

LÚBRICA

 

Mandaste-me dizer,

no teu bilhete ardente,

que hás-de por mim morrer,

morrer muito contente.

 

Lançaste no papel

as mais lascivas frases;

a carta era um painel

de cenas de rapazes!

 

Ó cálida mulher,

teus dedos delicados

traçaram do prazer

os quadros depravados!

 

Contudo, um teu olhar

é muito mais fogoso,

que a febre epistolar

do teu bilhete ansioso:

 

Do teu rostinho oval

os olhos tão nefandos

traduzem menos mal

os vícios execrandos.

 

Teus olhos sensuais,

libidinosa Marta,

teus olhos dizem mais

que a tua própria carta.

 

As grandes comoções

tu, neles, sempre espelhas;

são lúbricas paixões

as vívidas centelhas...

 

Teus olhos imorais,

mulher, que me dissecas,

teus olhos dizem mais,

que muitas bibliotecas!

 

 

In “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”

Selecção, prefácio e notas de Natália Correia

5ª Edição – Outubro de 2008

Antígona/Frenesi

 

Cesário Verde

1855 – 1886

 

 

 

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Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2009

Recordando... Poetas do Séc. XIX/XX... Forbela Espanca

ANGÚSTIA


Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E não se quer pensar!... e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós...
Querer apagar no céu – ó  sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento!...

E não se apaga, não... nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga...
Vem sempre perguntando: «O que te resta?...»

Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

 

 

In “Livro de Mágoas”

Sonetos – Estante Editora

 

Florbela Espanca

1894 – 1930

 

 

 

 

 

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