Quarta-feira, 30 de Maio de 2007

Recordando... António Sardinha

CHUVA DA TARDE

 

 

Chuva da tarde, – melodia mansa,

desejos vagos de chorar baixinho...

Voltei aos meus caprichos de criança,

- só quero, Amor, saber do teu carinho!

 

Chuva da tarde...

                                   Na poeira ardente

cai um frescor inesperado e calmo.

É um frescor que purifica a gente

- como a leitura mística dum Salmo!

 

Floresçam jasmineiros e açucenas,

- acuda-se à tristeza das raízes!

Que tu, Amor, com tuas mãos pequenas,

as guardes da estiagem e as baptizes!

 

Meu coração doente remoçou-se,

quando o tocaram essas mãos piedosas...

Chuva da tarde, – enfermaria doce,

onde vão convalescer as rosas!

 

Chuva da tarde...

                                   Ao longo das varandas

reza mistérios lentos a noitinha.

Que bem não é sonhar em coisas brandas,

nas tuas brandas asas de andorinha!

 

Deixa que a sombra te emoldure a face,

- eleva no silêncio a tua voz!

O Cântico dos Cânticos renasce,

- diria até que se escreveu p'ra nós!

 

 

António Sardinha

1887 – 1925

 

 

 

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Recordar é viver...

DIÁLOGO

 

 

- «Mãezinha: Se Deus existe

para nossa salvação,

por que tanta gente triste

e tanto pobre sem pão?»

 

Ela sorriu docemente,

num vago encanto sereno,

e respondeu, firme e crente,

ao seu filhinho pequeno:

 

- «Deus representa a pureza

da clara sabedoria.

Depois de funda tristeza,

tem mais sabor a alegria!

 

Deus existe em toda a parte,

porque em toda a parte cabe;

e, porque assim se reparte,

tudo vê e tudo sabe.

 

Arranca do coração

qualquer semente ruim,

que te leve a dizer não,

quando possas dizer sim.

 

Guarda Deus dentro de ti,

e nunca mais te apoquentes

com a dúvida que vi

nos teus olhos inocentes.

 

Pensa apenas, e afinal,

que de Deus tudo provém.»

- «Então porque existe o mal

- «Para poder fazer-se o Bem

 

 

Silva Tavares

 

 

 

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Segunda-feira, 28 de Maio de 2007

Recordando... Sophia de Mello Breyner

ESTE É O TEMPO

 

Este é o tempo

Este é o tempo

Da selva mais obscura

 

Até o ar azul se tornou grades

E a luz do sol se tornou impura

 

Esta é a noite

Densa de chacais

Pesada de amargura

 

Este é o tempo em que os homens renunciam.

 

 

 

Sophia de Mello Breyner

1919 – 2004

In Mar Novo (1958)

 

 

 

 

 

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Recordando... Bocage

Amar dentro do peito...

 

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

 

 

Manuel Maria Barbosa du Bocage

1765 – 1805

 

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Sexta-feira, 25 de Maio de 2007

Continuando a recordar...

 

RELÓGIO DO TEMPO

 

 

O planeta azul

não para de girar

e de norte a sul

tudo unido vai ficar.

 

Dizem que o longe não existe;

já distancia não há,

pois, tudo o que pediste,

aqui mesmo está.

 

Tic, tac, tic, tac, tic,...

Era o relógio do tempo;

mas, hoje, com um só clic

causamos o movimento.

 

Uma dor, um sorriso,

agora são globais;

neste mundo interactivo

transforma-se em sinais.

 

Tudo é planetário...

 

 

 

David Vieira Gonçalves

In "Poesia e Pensamentos"

 

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Recordando... Miguel Torga

PRECE

 

Senhor, deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo o comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.

Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição
Onde era sim, digo não
Onde era não, digo sim;
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.

Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro de um inimigo.....
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.

 

Poema escrito a 11/12/1934

 

Miguel Torga

1907 – 1995

 

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Quarta-feira, 23 de Maio de 2007

Recordando... José Régio

Cântico Negro

"Vem por aqui" – dizem-me alguns com os olhos doces,

Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade,
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos.
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura:
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios!

 

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê, piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
 – Sei que não vou por aí!

 

José Régio

1901 – 1969

In "Ler Por Gosto"

 

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Recordando... Almeida Garrett

Barca Bela

 

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

 

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

 

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

 

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.

 

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela!

 

 

Almeida Garrett

1799 – 1894

 

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Segunda-feira, 21 de Maio de 2007

Recordando... Eugénio de Andrade

AS PALAVRAS

 

São como um cristal,

as palavras.

Algumas, um punhal,

um incêndio.

Outras,

orvalho apenas.

 

Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:

barcos ou beijos,

as águas estremecem.

 

Desamparadas, inocentes,

leves.

Tecidas são de luz

e são a noite.

E mesmo pálidas

verdes paraísos lembram ainda.

 

Quem as escuta? Quem

as recolhe, assim,

cruéis, desfeitas,

nas suas conchas puras?

 

 

 

Eugénio Andrade

1923 – 2005

In Antologia Breve, 1972,

5ª Edição, Limiar, 1985

 

 

 

 

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Recordar é viver... António Nobre

O SONO DO JOÃO

 

O João dorme... (Ó Maria,             Deixa-o dormir, até ser

Dize àquela cotovia                        Um velhinho... até morrer!

Que fale mais devagar:                 

Não vá, o João, acordar...)             E tu vê-lo-ás crescendo

                                                         A teu lado (estou-o vendo

                                                         João! que rapaz tão lindo!)

Tem só um palmo de altura          Mas sempre, sempre dormindo...

E nem meio de largura:

Para o amigo orangotango            Depois, um dia virá

O João seria... um morango!         Que (dormindo) passará

Podia engoli-lo um leão                 Do berço, onde agora dorme,

Quando nasce! As pombas são      Para outro, grande, enorme:

Um poucochinho maiores...          E as pombas que eram maiores

Mas os astros são menores!          Que João... ficarão menores!

 

O João dorme... Que regalo!          Mas para isso, ó Maria

Deixá-lo dormir, deixá-lo!              Dize aquela cotovia

Calai-vos, águas do moinho!         Que fale mais devagar:

Ó mar! fala mais baixinho...         Não vá, o João, acordar...

E tu, mãe! E tu, Maria!

Pede aquela cotovia                       E os anos irão passando.

Que fale mais devagar:

Não vá, o João, acordar...              Depois, já velhinho, quando

                                                         (Serás velhinha também)

O João dorme, o inocente!             Perder a cor que, hoje, tem,

Dorme, dorme eternamente,         Perder as cores vermelhas

Teu calmo sono profundo!             E for cheiinho de engelhas,

Não acordes para o mundo,          Morrerá sem o sentir,

Pode levar-te a maré:                     Isto é, deixa de dormir:

Tu mal sabes o que isto é...           Acorda e regressa ao seio

                                                         De Deus, que é donde ele veio...

Ó mãe canta-lhe a canção,

Os versos de teu irmão:                 Mas para isso, ó Maria!

" Na vida que a dor povoa              Pede aquela cotovia

Há só uma coisa boa,                     Que fale mais devagar:

Que é dormir, dormir, dormir...  

Tudo vai sem se sentir".                 Não vá, o João, acordar...

                                                             

                                                        

António Nobre

1867 – 1900

In Só – 1891

 

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